O NOIVADO

Ele observava seu silêncio como quem espera uma resposta solitária. A olhava com os olhos de quem reconhece sonhos. Olhava suas mãos notando cada pequeno detalhe, cada pequeno movimento. Ele sentia o sacolejar do trem e agradecia a Deus. Agradecia por ter encontrado aquela mulher, a futura mãe de seus filhos, agora grávida, grávida de apenas um mês. Grávidos os dois, grávidos de um dia melhor após cada outro. Ele olhava a pequena sacola onde estava a caixinha, lembrava do sacrifício, da economia para poder comprar aquelas duas alianças, do silêncio em que seguiram de Mogi até o Brás, até a joalheria famosa, aquela do comercial, aquela dos preços bons. Ele queria muito que ela olhasse para a caixinha também, que tivesse a mesma idéia, que não achasse estranho, que o entendesse.

Ela queria rir, rir alto, explodir de felicidade, tornar aquela viagem inesquecível para que pudesse contar aos filhos, depois aos netos, a proeza de sua vitória, da vitória de ambos. Ela queria que a sacola fosse aberta, as alianças tiradas e em seguida eles pudessem celebrar aquele encontro, encontro abençoado, encontro que comove anjos, por ser tão autêntico, tão genuíno. Ela havia dito que esqueceria por aquele instante as dificuldades, o fato deles simplesmente não terem onde morar, de que a família dele a odiava, que muita gente dizia que o filho não era dele, que ela era mais velha, menos inteligente, menos bonita, que ele merecia alguém mais jovem. Ela só queria lembrar que o amor deles ultrapassava qualquer instância, qualquer barreira, era amor, amor de verdade...

O trem sacolejava muito, muitas portas estavam quebradas, estavam abertas, era sábado à tarde, havia agora poucos passageiros, já haviam passado por Ferraz de Vasconcelos, e o barulho era terrível, ambulantes vendiam de tudo, de salgadinhos, água mineral, cerveja até capas para vídeo cassete, pomadas do peixe boi. Era um algazarra intensa, forte, algumas crianças pediam esmolas, vigiadas de perto pelos pais exploradores, um cego tocava violão e pedia ajuda. Mas eles, a ex-doméstica, agora desempregada Maria, e ele o ajudante geral, ainda estudante, pensavam no futuro, o futuro incerto, o futuro difícil e incerto.

Os dois pegaram a sacola, juntos, as mãos se encontraram e eles sorriram, um riso nervoso foi ensaiado, ela entendeu, ele sentiu-se mais aliviado. Com todo cuidado pegou a caixinha com as alianças, olhou para ela e fez o pedido, como se ninguém estivesse ouvindo:

_ Casa comigo, mesmo sem ter onde morar, mesmo sem ter uma cama para dormir, mesmo com o mundo inteiro torcendo contra, mesmo com todas as dificuldades que a gente já sabe que vai enfrentar, mesmo com um filho, mesmo com a falta de tudo aquilo que eu poderia oferecer, se eu realmente pudesse?

_ Caso contigo, caso com você, não caso com os sonhos, não caso com a necessidade, caso com você, com o amor que há em você, com o seu sorriso, com a paciência que nem mesmo eu tenho comigo e em você é farta, autêntica, real...

Eles falavam com o coração, ninguém os perturbou, ninguém ouviu, só os dois, somente o pequeno resquício do filho que ainda viria ouviu, sorriu, chorou. Ele tomou-lhe as mãos e lhe colocou a aliança, ela fez o mesmo. Ficaram assim, por alguns instantes, olhando suas mãos, as mãos que agora estariam juntas para sempre, as mãos dos sonhos, as mãos que seriam usadas para gestos nervosos, explosivos, para carinhos fartos, necessários. E ninguém mais os notou. Eles se beijaram lentamente, embora o trem quase os atirasse para o teto, passando por verdadeiros abismos, como se quisesse fazê-los flutuar.