Olha o Capelinha...

Já lá se vão boas décadas de uma Bahia feliz e autêntica.

Os saveiros na velha rampa do Mercado Modelo, a desembarcar os ilhéus das paragens da baía, Bahia de São Salvador. Ilhas de Itaparica, Salinas das Margaridas, Ilha dos Frades, da Maré, que, num frenético vai-e-vem,

despejam seus produtos, trazidos em grandes balaios de palha, cestos e 'bôca-pios'. São peixes e outros frutos do mar, frutas da estação e algumas temporãs, gente que vem à negócio para a cidade, um ou outro turista, aposentados, desocupados, artistas, rufiões e algumas 'quengas' que chegam para os expedientes das diversas boates da cidade baixa ou,

para tomarem as cabines do elevador Lacerda para atingirem a cidade alta. Mesmo percurso poderia ser feito pelos 'charrieux' do Plano Inclinado Gonçalves.

Mais penoso mas, não menos monótono, as subidas pelas ladeiras da Montanha ou da Conceição, ofereciam um cenário digno de cinema 'trash' com seus figurantes característicos. Eram as mulheres de vida fácil que, às portas dos pardieiros (aqui pode-se classificá-los como 'puteiros'), expunham-se aos passantes oferecendo-lhes alguns momentos de prazer sexual, a preços módicos.

Estas ladeiras, igualmente iriam findar na parte alta de Salvador, em que os soteropolitanos denominam como Cidade Alta e, no centro administrativo municipal, com a Sé e, de lá o Centro Histórico de Salvador.

A época em questão se dá nas décadas de 60/70 e meados de dos anos 80 e, ainda era comum ver-se no meio da população, ainda não tão pulsante como a de hoje, as figuras de vendedores ambulantes.

Eram vendedores de cafezinho e cigarros à 'retalho', explico.

O freguês que, depois de saborear um 'menorzinho' (cafezinho) e, sentir vontade de fumar, não querendo comprar uma 'carteira' (maço), poderia dispor de uma unidade, sem necessidade de comprar o maço inteiro. Idéia genial, não é?

Camelôs, vendedores de bilhetes da loteria federal, bancas de jogo do bicho, engraxates e o vendedor de picolés.

O título desta crônica, faria alusão ao menos avisado de uma antiga marca de vinho muito popular nestas mesmas épocas: Capelinha.

Oferecido nos tipos sêco e suave (o que mais vendia), o vinho Capelinha foi senhor de vendas em muitos bares, butecos e biroscas desta enorme Bahia e Brasil afora.

Mas, o título se refere também à um outro campeão de vendas de refrescantes sorvetes artesanais, que deu muito trabalho às fábricas como a Kibom, Gelatto, e outras menos conhecidas, justamente por se tratar de produto barato mas, de qualidade.

Picolé Capelinha. Nos sabores de frutas diversas como, abacaxi, limão, côco, umbú, graviola, amendoim (grande campeão de vendas), creme e outros sabores que até já me esquecí, competiu energicamente com as grandes marcas e obteve sucesso de vendas nas feiras livres, pontos de ônibus, plataformas das estações ferroviárias, estádios de futebol, portas de cinemas, praças, ruas e avenidas, bairros, vilas e muitos municípios baianos.

Era comum ver-se meninos e até homens e mulheres já bem adultos que, de posse de uma caixa de isopor com alça, sair pelos caminhos a gritar: 'Picolééééé... Capeliiiiinhaaaaa...'

- Tem de quê, ai?

- Côco, mangaba, umbú, amendoins...

- É quanto?

- Dez centavos, freguês.

- Mê dê dois.

- Tá na mão.

Segue o gurí gritando seu 'slogan' - 'Picoleéééé...Capeliiinhaaaaa...

Outras marcas, híbridas, bem que tentaram mas, o segredo dos picolés Capelinha parecia a fórmula da Coca-Cola. Inconfundível e indecifrável pois, até hoje, ninguém, em momento algum, conseguiu se aproximar do inigualável sabor do sorvete.

Algumas más línguas diziam que o dono da marca havia feito um pacto com o capeta para obter tamanho sucesso. Outros, menos supersticiosos acreditavam que o segredo consistia no controle de qualidade quanto a escolha dos ingredientes.

Suposições à parte, os picolés Capelinha foram rei e ainda não perderam a majestade e, muito embora quase não se veja muito deles por aqui, aqueles outros híbridos que ainda persistem recebem a mesma nomenclatura do famoso titular.

Coisas da Bahia.

É como o nosso acarajé. Dizem que, para ser gostoso, o feijão fradinho tem que estar de molho, de um dia para o outro, imerso em água de 'calçóla' que o sabor fica mais apurado.

Eu tenho comido muitos acarajés, saborosos e bem apimentados e, a depender da 'baiana' que os prepare, podem estar certos que será amor à primeira mordida.

Bahia. Terra da magia, encantos e belezas. Do mulato 'inzoneiro'. Das igrejas e dos terreiros. De praias e coqueiros. Da Baixa dos Sapateiros. Da morena de rara beleza.

Bahia, capital primeira de toda terra brasileira.