JUSTIÇA

O juiz, de pé, leu o veredito. Culpado. A soma dos tempos das condenações chegava aos 123 anos e seis meses de reclusão em regime fechado, pelos crimes de latrocínio triplamente qualificado. As quatro vítimas, sendo duas crianças menores de dez anos, não tiveram como se defender. O auditório aplaudiu o desfecho daquele caso rumoroso ocorrido quase sete anos atrás.

Por indicação do disque denuncia Nino foi preso na mesma semana do crime quando participava da festa de noivado da prima de sua namorada. Os vigias colocados no início da rua e na portaria do prédio foram dominados pela polícia e não puderam avisar. Nino não ofereceu resistência. Também não podia. O apartamento em que estava era no segundo andar e todo gradeado. Com o seu sorriso característico entregou a pistola 765 e o Taurus 38 (bull dog) do cabo de madrepérola. Algemado desceu as escadas e antes de entrar no camburão gritou para a namorada

- Me espere Neguinha! Eu volto logo...

O advogado de defesa contratado pela família de Nino para defendê-lo era um criminalista de renome. Cobrava honorários altíssimos e nos últimos anos havia conseguido adiar o julgamento enquanto garantia vida sossegada dentro do presídio ao seu constituinte.

Cela separada com ventilador de teto, televisão e frigobar. Trabalho na biblioteca separado dos outros detentos. Visita íntima e saída nas festas de final de ano e dia das mães. O doutor vinha buscar e dentro do prazo estabelecido pela justiça trazia-o de volta.

Na semana em que foi finalmente marcado o julgamento, o doutor reuniu a família de Nino e explicou sua estratégia.

Durante o período do inquérito e dos adiamentos para o julgamento, valeu o princípio de Direito do "benefício da dúvida da autoria” para que Nino tivesse todas as regalias. Agora que o julgamento era inadiável, a estratégia era ele declarar-se culpado, arrependido até a raiz dos cabelos (com direito a choro em plenário) e plenamente confiante na justiça.

Na explanação da defesa, o doutor ressaltou a ausência do Estado na formação dos jovens para a vida produtiva e na carência crônica das oportunidades fazendo com que Nino parecesse mais vítima que algoz.

Proferida a sentença, Nino foi algemado para ser levado de volta para o presídio. Antes de sair do foro, o doutor pediu e o juiz concedeu dez minutos em sala reservada com seu constituinte. O policial tirou as algemas e retirou-se. Quando a porta se fechou o doutor disse:

- A minha estratégia está dando mais certo do que eu imaginava.

- Como assim doutor? Eu fui condenado a mais de 100 anos de xilindró. Nem adiantou chorar tanto.

- Meu filho a lei brasileira não permite que a pessoa passe mais de que trinta anos na prisão. Se a pessoa tiver bom comportamento, como é o seu caso, cumprindo um sexto da pena, o advogado pode pedir a progressão do regime. Eu já estou com a petição pronta para pedir a progressão da sua. Você nesse tempo em que esteve preso cumpriu mais do que o tempo exigido e depois daquele choro todo o meritíssimo juiz não vai ter coragem de recusar. Até sexta feira próxima você vai voltar para casa e poder fazer o que gosta. À noite vai para o presídio usar o dormitório dos funcionários.

- E o meu revolver de madre pérola doutor?

- Deixe isso comigo. O cartório tem até 30 dias para mandar as armas do crime para o almoxarifado da Secretaria de Segurança. Eu tenho gente minha por lá. Não vai ser problema recuperar seu brinquedinho desde que você dê a 765 de presente para os meninos. Agora vá e se comporte como um bom menino. Não fale com ninguém. Não diga nada que o carcereiro não queira ouvir. Seja obediente.

E tirando uma bíblia da pasta, completou

- Tome isso aqui. Pelo menos finja que está lendo essa merda. Todo mundo acha lindo um bandido arrependido, lendo a palavra de deus e seguindo os ensinamentos de Jesus.

- Doutor, o senhor é o máximo...

- Só enquanto estiver sendo pago...

Abraçados riram baixinho. O policial entrou na sala e recolocou as algemas. Com a voz embargada, o doutor se despediu dizendo...

- Medite no que eu lhe disse e confie em Jesus meu filho. Não esqueça, deus é fiel.