O outro do Paraíso
Caminhava tranqüilo pelas estradas cobertas de serração. Ainda estava escuro, mas não tardaria o raiar do dia. Apenas se via a chama acesa do cigarro e pigarrear costumeiro do homem magro e franzino que andava pelos trilhos tão conhecidos à luz do dia, mas que pareciam inóspitos àquela hora da madrugada. Perdera o ônibus que o levaria à cidade mais próxima. Não bastasse o infortúnio de perder o transporte, ainda tinha que voltar para casa, não que não gostasse do velho rancho de madeira coberta de capim, mas sim, pela distancia. Levava em torno de uma hora para cobrir os seis quilômetros até a estrada que passava o velho ônibus.
Entrou em casa exausto, apesar de estar acordado à apenas três horas, ou talvez três horas e meia, pelo menos poderia voltar a dormir antes de ir trabalhar na lavoura de milho. Entrou no quarto a lamparina estava acesa. Iria gastar muito querosene, não havia energia elétrica ainda. Tinha um par de sapatos que não era dele ao lado da cama. Sob ela, um homem, seu conhecido dormia tranquilamente ao lado da sua esposa. Eva parecia feliz.
Adão sempre imaginou estar no paraíso. Aquele momento pareceu um inferno. Seus sentimentos nunca antes expressados, como amor, ou gratidão à mulher ali sorridente ao dormir ao lado de um homem que não era ele. Ficou em silêncio tétrico. Foram longos minutos em que até as batidas do coração cessaram. O vento parou. Nem grilos rompiam a calma da aurora próxima.
Então se mexeu. A passos leves deixou sua alcova violentada rumando à cozinha. Algumas lágrimas escorriam, mesmo a contragosto, avivou o fogo de chão que agonizava. Aproximou a cambona do fogo para aquecer a água para o mate. Tirou a erva, ainda nova, da cuia. Cevou outro, e sentou-se no velho banco de três pernas. Sorvia mate após mate, entre uma tragada no palheiro e um esputo no chão. De vez em quando o galo cantava, acordando o cachorro sarnento que se aquecia próximo ao fogo, balançava o rabo e voltava a dormir serenamente.
Pouco a pouco a luz do novo dia adentrava pelas frestas da parede. Os pássaros acordavam alegres e festivos. O homem franzino diante do fogo acrescentava mais lenha às chamas, e sorria. Afinal, como punição aos amantes matutinos, não os convidara para tomar chimarrão.