O TRANSATLÂNTICO
Estamos no porto aguardando o momento de embarcarmos no Vida, o maior transatlântico de todos os tempos, já ancorado e pronto para nos receber. É nele que passaremos a vivenciar o antagonismo, ou seja, o amor e o desamor, a alegria e a tristeza, a harmonia e a desarmonia, o otimismo e o pessimismo, a igualdade e a desigualdade, o sorriso e o pranto. Chegada a hora exata do embarque e com todos os passageiros muito bem acomodados no interior do navio prestes a zarpar, tem início a nossa longa viagem. Quando percebemos, já estamos em alto mar...
As inúmeras pessoas a bordo possuem caráter, raça, credo político-religioso, costumes e faixa etária totalmente diversificados; pode-se afirmar que é um público heterogêneo dividido em grupos que ocupam recintos consonantes com seu poder aquisitivo e que não exercem no interior do transatlântico os mesmos tipos de atividades. Há os que viajam ao lado de seus entes queridos ou amigos e há os que preferem viajar solitários. Há quem faça parte da tripulação, zelando sempre pela segurança, recreação, conforto e bem-estar dos passageiros e há os que simplesmente se divertem com a viagem, desfrutando de todo o prazer que esta é capaz de proporcionar. Além desses, estão também a bordo os passageiros clandestinos, ou seja, aqueles que viajam escondidos por não terem cumprido os trâmites legais exigidos para o embarque. Pelo fato de terem se eximido da obrigatoriedade de um dever, são tolhidos em sua liberdade de circulação pelos inúmeros deques do navio.
Os dias a bordo do transatlântico também não são todos iguais. Há dias em que o mal está calmo, o vento brando, o sol maravilhoso e o céu completamente azul. No entanto, há dias de turbulência, quando o mar revolto, o vento uivante e o céu enegrecido são prenúncio de forte tempestade, o que torna a travessia difícil e arriscada. Nesses momentos de pânico, alguns passageiros se desesperam, tornam-se deprimidos e são prontamente reconfortados por outros mais destemidos, que não hesitam em oferecer seus préstimos no consolo de seus companheiros de viagem; são pessoas que se sensibilizam com o sofrimento alheio, pois estão conscientes de que o amor ao próximo é algo imprescindível à existência humana. Outros, ao contrário, permanecem frios, distantes e totalmente indiferentes à dor do próximo; são pessoas incapazes de abrir mão da comodidade para ir ao encontro de quem deles necessita. Cessada a tormenta, as coisas retornam ao seu estágio normal e a viagem prossegue...
Alguns passageiros consideram a viagem demasiadamente longa, exaustiva e tediosa; por incrível que pareça, chegam ao extremo de interrompê-la bruscamente, abandonando o navio e indo ao encontro das águas geladas do mar. Outros, por sua vez, entretidos com os inúmeros afazeres do cotidiano, não dispõem de tempo suficiente para pensar nos percalços. Porém, a grande maioria dos passageiros quer mesmo é curtir ao máximo cada momento da viagem, a fim de que esta se torne inesquecível, evitando até mesmo tecer comentários sobre o temido momento do desembarque. E assim o transatlântico singra o oceano...
O número de passageiros já não é mais o mesmo do início da viagem, pois alguns não conseguiram resistir às intempestividades. Apesar da navegação lenta, muita coisa já ficou para trás; chegamos à conclusão de que o tempo passou rápido demais e nós nem percebemos. Durante todo o percurso, já nos acostumamos a conviver com as mais diversas situações. Há passageiros, por exemplo, que não se sentem completamente seguros a bordo, pois temem que a qualquer momento ocorra algum imprevisto. São pessoas que estão sempre prevendo possíveis acidentes, seja por falha humana, técnica ou até mesmo devido a intempéries da natureza; idealizam maremotos ou enormes icebergs vindo em direção à embarcação, enfim, estão sempre pensando no pior. Outros, já bastante otimistas, acreditam com veemência que chegarão incólumes aos seus destinos; são confiantes, demonstram tranquilidade, superam com destreza as adversidades e crêem plenamente na experiência do comandante, pois estão convictos de que ele nunca falhou e não falhará jamais. Há também no navio aqueles passageiros ranzinzas, que reclamam de tudo e de todos, achando que a viagem está demorando bem mais que o previsto e há os de má índole, sempre aptos a disseminar a discórdia e o desamor. Reclusas no calabouço da própria amargura, essas pessoas perdem a preciosa oportunidade de observar lá fora a paisagem magnífica com que o dia de hoje nos presenteia. Em contrapartida, para o bem e sorte da coletividade, estão também a bordo os sensatos, os prudentes, os pacíficos, os alegres, os espirituosos, os que sabem vivenciar o amor, os que conseguem tirar proveito das experiências do cotidiano, os que não estão dispostos a transformar o navio num terrível campo de batalha.
O enorme transatlântico, por sua vez, a todos abriga e avança navegando lenta e firmemente em alto-mar. Faça chuva ou faça sol, lá vai ele cumprindo o seu percurso. Em meio a tantos amores e desamores, desigualdades e incertezas, apenas uma coisa é certa: haverá um dia em que a viagem terá fim, pois o ponto final do transatlântico aguarda o momento do desembarque de todos os seus passageiros...