Conto nº1

Alice perdera-se e não era Natal.

Conta a lenda menos longínqua do que remota, que Marias, Patrícias, Lucianas e Cleonides perdiam-se nesta época, subiam e flutuavam no céu como se fossem verdadeiramente balões.

- Alice perdeu-se! Gritou a voz de cima de alguma bananeira do fundo do quintal.

Ninguém exclamou, ninguém respondeu, nem o vento, nem o eco, nem eu.

Alice perdera-se, onde estaria Alice?

Todos nós, eu, o eco, o céu, pensávamos em algum lugar.

Depois de algumas horas, já aplicado o método científico, a teoria de Freud, a tese de Marx, concluí séria e muda: Alice cansou-se de comer bananas e foi colher flores e morangos em qualquer campo distante da capital.

A mesa era redonda, debrucei-me sobre ela e chorei. Meu Deus! Que saudade de Alice, e mordi da banana com fome e saudade.

O vento partiu naquele instante. Eu emudeci mais um pouco.

Passavam-se os anos e as plantações de banana eram renovadas safra em safra como se fossem estas gavetas de aluguel.

Ninguém mais tocou em nome ou pensamento de Licinha.

Eu já era meio gorda, meio sonsa, meio linda de morrer. Pele cor de banana doce, cabelos de banana prata, cheiro e poros de banana verde, cara de banana morta.

Um dia ela chegou. Alice? Licinha? Não, era mesmo a Cleonides toda encharcada de chuva, tempo e suor. Sentou-se, sentou-se mesmo na cadeira branca, madeira e parafuso. Levantou-se, tirou a casca de banana de cima da cadeira, limpou com as mãos a calça azul e perguntou-me depois de breve afirmação:

- Estou com fome. Você tem uma banana para mim? ( E que ar sorridente tinha a danada, quase debochado, irônico ou qualquer coisa assim...)

Bananas era o que não faltava, cozida, madura, abafada, verde, feia, triste, bela ou cruel. A plantação era honra de família, havia sido de meu tataravô, bisavô, vô e pai. Agora era minha já que não possuia irmão homem ou marido.

Cleonides já descascava a quarta e eu pensava, pensava com um pouco de maldição no "tata" que iniciou a plantação. Oh! Vovô!

Cleonides partiu no amanhecer, nem arrumou a cama, a infeliz.

Todos partiam, deixando na vista de quem via só plantação.

Uma tarde, entardeci mais muda do que nunca, morri no quintal pensando feliz em Alice, Licinha, Cleonides; Ainda tive tempo de ver a banana caturra caindo da bananeira maior. A bananeira que Geraldo (o único que por alí passara ) havia batizado já de pequeninha : - Geração.

Acho que era Natal.

Eu:Tânia

Em:17/10/1986

Tânia Fonini
Enviado por Tânia Fonini em 31/05/2010
Reeditado em 06/06/2010
Código do texto: T2292194
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