A lição do Maltrapilho
Nada mais valia a pena. Família, emprego, dinheiro, festas, badalações, nada! Um vazio existencial insistia em ferir como faca na carne. “Nada mais valia a pena”. Completamente dominado por tais pensamentos, Amanda parou o carro numa praça e repetiu:
-Nada mais vale a pena!
Encostou a cabeça e por breve momento e viveu a sua realidade “em preto e branco”.
“Não era pra ser assim” já que as metas que pautaram sua vida desde menina foram alcançadas com méritos. Como filha única teve toda a atenção e recurso por parte dos pais; Conquistou, com louvor, todas as etapas escolares e universitárias; Logo depois viveu a glória de ser a primeira colocada num concurso público que reuniu três mil pessoas! Era bonita, desejada e independente e “feliz”.
Em cada meta que traçava, se empenhava e se empenhava! “Não podia decepcionar”. Na vida sentimental viveu um romance digno de novelas. Jorge era um empresário muito bem sucedido. Tipo àqueles que julgamos "o bom partido". A cerimônia de casamento parou, literalmente, a cidade. Em fim, Amanda vivia. Transpirava vida e na opinião dos pais, parentes e amigos, era “feliz”.
Só que havia o vazio. Não havia satisfação. O dinheiro não comprava a paz e a vida se mostrava como um rolo compressor que desnudava a realidade que “doía”: Em segredo vivia um casamento que mostrou a verdadeira face na convivência e, no decorrer dos anos, e estar casada era um desafio, já que o sorriso escondia lágrimas e a solidão. Viu-se disfarçada em máscaras. Sustentando um ser que não existia. Um personagem.
As constantes disputas na vida profissional geravam amizades superficiais; E ainda tinha a questão da aparência: ser magra, bonita e gentil.
-Chega! - Disse naquela manhã.
Entrou no carro e saiu sem destino.
Parou naquela praça.
Olhou para o nada. Sentiu em vazio cortante no coração.
De repente, uma batida no vidro do carro a chamou de volta a realidade. Amanda deparou com um homem idoso, maltrapilho e barbudo. O primeiro pensamento foi de repulsa. Tratava-se de um mendigo. Um pedinte chato que agravava seus sentidos. Um misto de raiva e medo fez com que Amanda se voltasse para o banco de traz do carro onde encontrou a bolsa. Pegou algumas moedas e quando se virou novamente se deparou com um olhar profundo e meigo, ainda que num rosto marcado pelo tempo. Reparou algo familiar, ainda que tivesse a certeza de nunca telo visto.
Baixou o vidro do carro. O homem continuava ali, parado, com um breve sorriso. Ela estendeu a mão para entregar o dinheiro, mas surpreendentemente, o homem estendeu a sua mão e tocou com leveza a mão de Amanda. O momento foi inesperado, mas algo muito bom tomou conta do ambiente. “Não quero o seu dinheiro” disse o homem, “Quero que você se sinta bem”. “Como assim me sentir bem?” Respondeu. “Moro aqui nesta praça. Meus amigos são os pássaros. Eles me disseram que você está triste”. Amanda, como se despertasse de um breve sono, olhou com reprovação “O que este desgraçado sabe sobre mim?” pensou.
-Olha aqui está o dinheiro, agora pode ir.
-Já disse que não preciso do seu dinheiro. Só quero te ver mais feliz - respondeu o homem.
Amanda voltou seu olhar para o pedinte e mais uma vez encontrou seu olhar e mais uma vez, sentiu algo diferente.
- Quero te dizer uma coisa...
- Sim?
O homem se aproximou um pouco mais da janela do carro. Olhou diretamente para Amanda.
-Há mais na vida do que àquilo que o dinheiro pode comprar.
-Com todo respeito, o que o senhor sabe sobre dinheiro?
-Tudo, ou quase tudo.
Amanda não escondeu o sarcasmo. Olhou o homem como se o filmasse. Uma onde de superioridade tomou conta do seu coração.
- Olha meu senhor, por favor, vá embora. Não tenho tempo para conversar...
- É... A senhora tem dinheiro, mas não tem tempo. Aliás, a senhora tem todo o tempo do mundo só que o vende...
-
Aquela afirmação provocou uma onda de fúria em Amanda. Quem era aquele... Aquele... Mendigo para saber sobre a vida dos outros... Amanda voltou seu olhar ao painel do carro, para literalmente “vomitar” um monte de desaforos ao pedinte:
- Vê embora! Seu imundo! Vá cuidar da sua vida, fedorento!
O homem calmamente olhou, ainda com àquele sorriso, e foi se afastando. Amanda acompanhou a figura do maltrapilho. Um alivio carregado de certa culpa, foi o tom do momento. O amargo na boca continuou. O aperto no peito também. Fechou os olhos e tentou pensar em algo que não sabia o quê... Alguns minutos se passaram, os olhos continuavam fechados até que... Tum, tum, tum, a batida na janela trouxe Amanda de volta. Olhou assustada e deu de cara com o maltrapilho. “Há... é agora!” pensou dando lugar a fúria. Saiu do carro e gritou:
- Sai daqui! Vá embora!
O homem se encolheu e não esboçou reação. Colocou levemente uma das mãos no bolso da calça. E ainda diante do olhar raivoso de Amanda, puxou uma flor e humildemente ofereceu. Amanda foi tomada por um choque. Não havia palavras. Relutante estendeu a mão e, lentamente, pegou a flor. O homem sorriu e se foi. Amanda ficou ali. Parada. Olhando para aquela figura que se afastava, se afastava até sumir no horizonte.
Continuou por mais alguns momentos ali. Vivendo a maior e mais importante lição de sua vida.
Voltou naquela praça outras vezes, mas nunca mais viu o tal maltrapilho.