“Segura o ceguinho aí pelo amor de Deus...!”

Uma linda manhã de terça-feira, faltavam alguns poucos minutos para chegar às 7 horas, eu estava vindo caminhando ligeiro pela rua, estava super atrasado tinha que pegar 2 ônibus para ir ao trabalho, e acabara de chegar do 1º ônibus no centro do Recife, desci na rua por trás dos correios, rapidamente seguia segurando uma pesada bolsa, nela tinha alguns materiais do trabalho, mas principalmente livros e cadernos para depois do expediente ir para o colégio e só depois retornava para casa. Eu caminhava quase no ritmo de uma caminhada olímpica, pois tinha que percorrer aproximadamente 1 km até que chegasse no Cais de Santa Rita, onde no último terminal eu pegaria finalmente o 2º ônibus. Eu olhava a cada instante o relógio nervoso, pois sabia se chegasse atrasado perderia a saída do ônibus, e a consequência era que o próximo só sairia depois de 30 minutos eu sabia que chegaria atrasado, meu Deus! Não podia mais uma vez essa semana chegar atrasado, e sobre isso fui alertado diretamente pelo meu chefe, sabia-se lá quais seriam as consequências... só tinha certeza de uma coisa, coisa boa não seria. Então eu andava feito um louco, e como sempre acontecia na Av. Guararapes, o meu ritmo caía devido a grande multidão que se concentrava no local, parecia que todos os ônibus da cidade tinham que passar por lá, havia muitas paradas de ônibus, pessoas subindo e descendo, um verdadeiro mar de gente e cada um com seu compromisso, objetivo, se aglomeravam nas calçadas, alguns andavam tranqüilos, e outros nem tanto, também tinha uns apressadinhos, mas naquele dia não tinha pra ninguém, eu era o louco das ruas, subia e descia as calçada, atravessava entre as pessoas, andava de lado, freava abruptamente o ritmo, e logo a seguir voltava a acelerar. Foi numas dessas freadas que senti uma mão segurar firme o meu braço e foi logo dizendo, Moço! Ajude-me! Amigo! Ajude-me! Era um senhor moreno de baixa estatura com aparência de alguém com 35 a 40 anos, usava óculos escuros e trazia em uma das mãos uma valise, e na outra mão, aquela que ele segurava meu braço havia também uma bengala .. Nossa! Pensei, então era por isso que ele segurava tão estranho no meu braço usando as pontas dos dedos.

- Senhor, eu retruquei, lamento, mas não vou poder te ajudar, estou com muita pressa, eu estou atrasado!

- Eu também estou atrasado, só me leve até o prédio do Diário de Pernambuco, eu não sei como chegar lá, porque eu sou cego!

- Senhor, eu estou apressado mesmo! Estou quase correndo se eu chegar atrasado vou perder o emprego! Desculpe procure outra pessoa..

Foi aí que ele mesmo com a valise e me segurou com as duas mãos dizendo, não me deixe aqui, ninguém quer me ajudar, nem falam comigo, eu vou com você!

Que situação! Precisava andar e rápido, e aquele senhor me segurando... eu não podia ficar mais, tinha que continuar.

- Ta bem! Ta bom senhor! Olhe, então tem que segurar firme porque eu estou com pressa mesmo!

- Não se preocupe pode ir rápido mesmo que eu me viro, também estou com pressa! Só me deixe na frente do prédio do Diário.

Então partimos juntos afinal eu não estava em condições de raciocinar melhor, nem mesmo com a cabeça boa de forma medir as consequências do nosso acordo, eu estava muuuuuiito atrasado, e antes de sair andando, fui pegar pelo braço o estranho para conduzi-lo puxando para lá e para cá quando fosse necessário, mas ele disse!

- Não! Não! Deixa que eu seguro aqui mesmo, e cravou seus dedos no meu braço esquerdo e continuou, não se preocupe pode ir e deixa comigo!

- OK, você que sabe, vamos lá! Engatei a 1ª e saí numa arrancada digna de fórmula 1.

Firmei meu pensamento no meu propósito e segui adiante, esquivei-me do 1º pedestre e o tiozinho veio firme me acompanhando, pensei, não é que ele é bom mesmo! Continuamos a passos largos, viro mais uma vez para esquerda, dessa vez nem precisei diminuir a velocidade e o senhor firme do meu lado... Foi então que apareceu uma senhora gorda de repente na minha frente, ela havia acabado de descer de um ônibus, dei um pulo de lado à esquerda novamente, passamos bem, mas quando retornei rapidamente para a direita a mão do tiozinho quase se solta do meu braço, mas ele era muito firme, porém foi um movimento suficiente para que ele se afastasse do meu lado e...PrÁAAAKY!!!... Ele se perdeu e bateu de frente com um casal que vinha abraçado do lado contrário, mas nem assim o danado me soltou, nem caiu a valise ou mesmo a bengala, mas a batida enfureceu o tiozinho pois a pancada foi bem forte, ele gritava girando a cabeça para vários locais ao mesmo tempo, como quem procurava quem o atropelou - TÁ LOUCO É ? VOCÊ TÁ CEGO ? FILHO DA......! NÃO OLHA POR ONDE ANDA!....falava tudo isso com os óculos atravessado bem no meio do rosto e segurando e apertando o meu braço...o casal ainda atordoado com o que acontecera diziam, - desculpe senhor, mas o senhor estava muito rápido!...Foi o senhor que bateu na gente!.. Eu estava literalmente preso a toda aquela situação, começou a formar um grupo em volta e um princípio de bate boca entre os acidentados, e como num milagre ele me solta o braço por um instante e eu escapo de lado enquanto me afasto e ainda escuto..E TU POR....! MELHOR IR EMBORA MESMO, VAI, VAI...! Jogava seus braços para frente com as mãos segurando a valise e a bengala, como quem tange os cavalos para dentro de um curral, só deu tempo de eu dizer:- “alguém segura o ceguinho aí pelo amor de Deus, ele quer ir até o Diário!” e mesmo sem saber se alguém havia se interessado pelo que falei, fui embora porque estava atrasado, muito atrasado, super atrasado..., continuei em minha caminhada olímpica, e já me atrevia dar umas corridinhas também, só depois que consegui chegar ainda ofegante no último instante ao ônibus, subi as escadas, paguei, passei na catraca e finalmente que maravilha! me sentei, ufa! A meta hoje foi atingida eu não chegarei atrasado! Suspirei e relaxei um pouco deixei baixar a adrenalina... Então foi aí que tomei consciência de tudo que havia ocorrido.... Para mim só me restou pedir a Deus por aquelas pessoas para que não tivessem se machucado mais seriamente. Aliás, apesar de fazer aquele itinerário durante muito tempo, nunca mais vi ou ouvi falar daquelas pessoas, de toda forma, para elas aqui deixo minhas sinceras desculpas.

Wanderley de Queiroz
Enviado por Wanderley de Queiroz em 26/05/2010
Reeditado em 27/05/2010
Código do texto: T2280189