A vida em um embrulho

Os médicos o haviam esquecido lá, mas ele era obediente, mesmo com a idade avançada tinha noção do perigo. Não levantou sequer por um minuto.

No colo uma trouxa de pano bem amarrada nas pontas. Chegara lá já fazia algum tempo, mas nunca deixava aquele embrulho sozinho. O segurava com os braços sôfregos para garantir que não caísse dos joelhos castigados.

No rosto uma expressão de conformação. Mas disso ele não sabia, nunca tivera espelhos em casa. Nos pés as sandálias de dedo feitas a mão quando ainda conseguia empunhar uma ferramenta. No pescoço, o catéter fazia questão de mostrar a todos os transeuntes que aquele homem sofria.

Do lado de fora das grades, a vida acontecia. Pessoas seguiam seu rumo onde só havia o relógio a frente. Ninguém notava o homem do lado de dentro da grade, sentado em um banco de praça. As costas reclamavam, mas ele aguentara coisas piores.

Em volta do pulso, o terço de contas azuis que costumava carregar no pescoço. Nos olhos uma paz angustiante de quem sabe que tem pouco tempo para viver o que havia deixado para fazer em muito mais tempo.

Ele continuava ali, sentado. A espera da próxima sessão de hemodiálise, ainda com os antebraços cheios de curativo da semana anterior. Ele não se importava.

A casa deixara para trás em busca de um vintém de esperança, tudo que havia de valor, levara na trouxa: Um cobertor, o chapéu de palha que fora de seu pai, as bolas de gude do filho enterrado, o camafeu da esposa assassinada e uma foto de família. O único lugar onde ainda deixava-se ver no espelho com a esperança de um dia conseguir voltar a sorrir como na imagem.

Atrás, a dedicatória: Ao meu querido esposo, para guardar na lembrança a família linda que somos e, se um dia não o formos mais, não deixar que os vermes da terra corroam sua carne antes do fim.

Wânyffer Monteiro
Enviado por Wânyffer Monteiro em 25/05/2010
Código do texto: T2279920
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