LÁGRIMAS DE UM FILHO

Pai pode ser que daqui a algum tempo;

O meu pranto tenha se esgotado;

Pois tudo tem o seu tempo determinado,

E há tempo para todo o propósito debaixo do céu;

Há tempo de nascer, e tempo de morrer;

Tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;

Tempo de chorar, e tempo de sorrir;

Tempo de estar calado, e tempo de falar;

Eu falei. O senhor não quis escutar;

Agora vou gritar!

Ai do filho, em cuja palavra do pai, não possa acreditar;

Ai do pai, cujo filho cismou de abandonar;

Ai do pai, que pensa que do filho não precisa cuidar,

Pois sempre aparece alguém para adotar,

E com certeza, melhor vai cuidar;

Ai do filho, que corre atrás desse pai,

Que não quer nem lhe olhar;

Coitado do filho que acreditando no pai plantado ficou,

Em certo lugar a esperar;

Ai do pai, que o ignorou, e nem um telefonema quis dá;

Estava tudo combinado para a “Festa de Yemanjá”;

Protocolado e apalavrado, e o filho rumou para o lugar;

Depois de muito esperar percebeu que o tempo

Era de sofrer e se resignar;

Com os olhos compridos, estancado na porta a esperar;

Via os “Chefes” de terreiros com os seus filhos a lhe “rodiar”;

O menino parado, com o relógio do lado,

Espiando e olhando para todos os lados;

O coração apertando, os olhos lacrimejados,

Olhava para os pés e para Deus, e não acreditando tremeu.

Tremeu de vergonha; de decepção, de abandono e de ira.

Ficou muito irado.

Pensava e repetia: Por que? Por que?

Por que ele fez isso comigo! Disse que vinha.

Agora nem o telefone atende. Ele sabe que sou eu!

Pois tem “bina”.

Ó meu Deus! Por que o meu pai me abandonou?

Ele ficou a vida inteira dizendo que vinha

E que era pra eu esperar?

Agora estou sozinho nesse lugar?

E todos os outros pais estão com os seus filhos a lhe “rodiar?

O menino ali plantado, louco e desesperado,

E o pior de tudo é que era bem relacionado, e a todo momento tinha gente do lado a lhe perguntar:

“cadê o seu papai? E ele, desesperado, sempre dizia:

Logo, logo vai chegar...”;

O tempo passava, a rua ele atravessava, ia de uma esquina à outra, louco, desesperado, e escondido chorava.

As horas foram passando, todos os povos chegando, o filho abandonado, teve vontade de tudo largar, mas, dessa amplitude de sentimentos, pensamentos e idéias compartilhadas é que adquirimos a certeza de que a mente humana não está confinada à pequena caixa craniana, para ela não existem limites ou fronteiras; o ser está além do humano.

De repente uma luz brilhou, como se fosse a manifestação da Yemanjá, e ele resolveu entrar!

Correu a vestir-se e mais um pouco aguardar;

A organização da festa teimava em lhe questionar, e com um crachá nas mãos, o pessoal da organização, voltava a lhe perguntar: “E o seu papai, a que horas vai chegar?”.

Completamente aturdido já não conseguia atinar com a horrível sensação de abandono a lhe dominar, olhava para todos e não conseguia enxergar.

Depois de algumas horas observando tudo à volta e com os nervos à flor da pele, resolveu se acalmar.

De que adiantava ficar naquele estado? Afinal de contas pertencia ao “exército branco de Oxalá!”.

Foi nesse momento que seu “pai de terreiro”, resolveu representar!

Quando o chefe de cerimônia passou a chamar e os seus chefes se apresentar, seu coração disparou, e agora?

Tomara que o meu terreiro não venha a chamar!

Mas não adiantou muito pensar, pois, em pouco tempo, o Mestre organizador, no microfone falou: Templo de Umbanda Caboclo tal...

Como todo esforço do Ser Humano, ao longo do tempo tem sido para minimizar e, se possível, extinguir a dor de qualquer origem, o menino, como legitimo filho, deixou o sangue mais alto falar, e bradou: Eu, filho do seu fulano, estou aqui para representa-lo.

O sofrimento, a incapacidade de experimentar a vida de maneira agradável, pode ser manifestado de várias formas, e essa, foi a forma que encontrou para o sofrimento amenizar e não permitir que a “cadeira de Xangô, vazia, ficasse lá.

Pai pode ser que daqui a algum tempo;

Haja tempo pra gente ser mais,

Muito mais que dois grandes amigos,

Pai e filho talvez.

Raimundo

Filho da “Casa Real de Xangô e Iansã”.