Todas elas

Esse barulho dos carros não me deixa dormir, há anos é assim, as pessoas acordam cada dia mais cedo pra trabalhar e aí já não dá pra ficar aqui deitada. Hoje passei um frio, dormi sem coberta ou travesseiro. Ontem não deu pra tomar banho, minha roupa fede tanto que me incomoda. Hoje sonhei com umas pessoas queridas, me deu saudade e tristeza, como uma massa indefinível, uma mistura de sentimentos.

A Maria tão pequenina, cabelos loiros, os olhos tão pretos que parecem um par de jabuticabas prontas para explodirem e revelarem os mistérios contidos naquele coraçãozinho. A Maria tem uma história difícil, ela não lembra dos pais, só de um cara que "cuidou" dela. Desde muito novinha morou na rua e vendeu balas. O tal homem pegava todo o dinheiro e os doces ela quase nunca comia. Ele sabia exatamente quantos tinham. Maria não teve bonecas ou brinquedos e o tal moço a fazia participar de brincadeiras não muito infantis. Ela chorava, implorava, nada adiantava, nada o continha. Maria não era triste, era linda, com uma infância roubada e ainda assim bela, simplesmente bela.

Sonhei com a Carol também, ela é jovem, cabelos pretos, adora saia curta, é meio rebelde, aquela fase difícil de adolescente. Carol tem muitos namorados, velhos, novos, feios, bonitos, ricos, doentes. Ela não gosta de todos eles, diz que é profissão, é o dinheiro mais sofrido que alguém pode ganhar. Ela queria ser veterinária, adora animais, mas onde mora não dá pra criar nenhum. O dinheiro é tão curto que ela mal se mantém, animais são luxo, veterinária é pra ricos.

Ah Moura, uma senhorinha tão doente, tão cansada, aquela pele enrugadinha, os cabelos brancos, todo mundo conhece por aqui, é a senhora cartomante. Fica sempre na mesma esquina, ninguém sabe se o que ela diz é verdade, mas seus olhos nos convencem. Dorme e trabalha sempre no mesmo lugar, mora na rua há mais de 50 anos. Já vendeu balas, já se prostituiu, hoje lê mãos e cartas. Que ironia! Se tivesse lido a própria vida, talvez tivesse sido diferente. Foi roubada dos pais tão cedo. Tudo que lembra é do supermercado, da prateleira de bonecas, dos gritos sufocados pela mão do moço mau. O moço que sufocou tantas vezes seu grito e só a deixou depois de morto.

Meu nome é Maria Carolina de Moura, eu sou cada uma, eu sou todas elas, e não sou a única, minha história é a história de tanta gente. Eu sinto frio, às vezes fome, me acostumei. Tanta gente passou pela minha vida, poucos permaneceram. Pareço uma senhora, mas por dentro? Por dentro sou só uma menina, uma menina de rua.

Catherine Moraes
Enviado por Catherine Moraes em 22/05/2010
Código do texto: T2273002
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