Contos Avulsos – O velho motoqueiro
Duca Méndez era descendente de espanhóis e sua família possuía terras nos dois lados da divisa seca que separa o Uruguai do Brasil no extremo sul do País , fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul . Os Méndez detinham vastas extensões de campos nobres chamados tanto de “Estâncias” pela influência da língua castelhana quanto de “Fazendas” no lado de cá onde se rumina o idioma herdado dos lusitanos.
Como parece ser comum na biografia de quase todos os abastados em todas as eras conhecidas – e dizem que até nas desconhecidas – quem detinha o poder do dinheiro e a chave do cofre, acabava também exercendo o natural domínio político da redondeza. Os antigos moradores da campanha gaúcha chancelaram um decreto que vigora até os dias atuais – “nunca se briga com cachorro grande” ...
Nos idos da década de setenta, quando o Brasil estava sendo governado por um desses Generais que de política não entendiam nada , a milícia governante do Grande Quartel entendeu de estabelecer as chamadas “Áreas de Segurança Nacional” , pretexto para impedir que o povo exercesse o “restolho” de democracia que sobrevivera ao golpe militar . Graças ao emblema da “segurança” nacional nas cidades de fronteira os prefeitos eram nomeados pelos Generais .
Tanto quanto os chamados Senadores “Biônicos” os prefeitos das cidades fronteiriças assumiam o cargo pela força indicadora do dedo militar, escorado no braço de ferro do fuzil guardado na caserna. E na fronteira, é bom que se diga , os milicos sempre cuidaram de manter estreitas relações com os fazendeiros , sendo a recíproca absolutamente verdadeira – Aliás era “status” e sonho de consumo bilateral ver casamento de filha de “estanciero” com Oficial novato e solteiríssimo . Pão quente das Agulhas Negras.
Os Méndez já possuíam duas de suas mais belas prendas casadas com oficiais de alta patente , de modo que gozavam de prestígio no seio do “alto comando” . A ditadura caiu bem para a família e quando se tratou de indicar um Prefeito, eis que Duca Mendez que nunca havia administrado nada além de suas vacas e ovelhas , assume o comando do Palácio Municipal.
Erguido à condição de Prefeito Municipal ele não abandonou seus hábitos burgueses e suas preferências exóticas . Carro do ano , Jeeps equipados e até uma potente moto importada “Harlley Davidson” compunham os itens de lazer e conforto de Duca Méndez que já estava para lá dos “cinqüenta e uns” anos de idade quando ocorreu o fato insólito que aqui é contado.
Dizem que n´uma tarde primaveril dessas em que o cheiro das flores silvestres impregna a alma dos viventes , Duca Méndez preparou sua moto e lançou mão de dois capacetes, intimando seu neto, um rapaz forte e com aquela barba incipiente que brota aos dezessete anos de idade, para darem uma volta pela estrada para um encontro com o vento da estação – prazer incomparável no dizer do velho motoqueiro , ruralista pela essência e alcalde de ocasião.
Na estrada, gozando do passeio , foram surpreendidos por uma blitz da Polícia Rodoviária que estava com duas viaturas – uma VW Brasília e uma GM Veraneio – num entroncamento da estrada. Pararam a moto e exigiram os documentos do veículo e a carteira de motorista de Duca Méndez, no que foram prontamente atendidos, malgrado a cara amarrada do velho motoqueiro.
Um dos policiais, contudo, não parava de olhar para o jovem forte e corpulento que estava na garupa da “máquina” e Duca Méndez teve uma reação inusitada . Disse em tom de resmungo e de ordem ao policial:
- “Tá bem agora pede os documentos do guri” !
O patrulheiro meio que sem entender e confuso com a situação respondeu:
- “Não senhor ! Pode seguir porque está tudo bem com sua documentação” . . .
Mas Duca Méndez não aceitou e retrucou com severidade a autoridade do guarda , asseverando em tom já de fúria :
- “Não senhor ! - Você vai sim examinar os documentos do rapaz !
O policial, sabendo que se tratava do Prefeito amigo dos Generais e dono de terras nos dois lados da fronteira não vacilou e pensando que não custava nada mesmo examinar os documentos do jovem, tomou sua Cédula de Identidade e simplesmente a olhou sem nada ler , dando como se dizia na fronteira – “um vistaço” – e devolvendo-a ao rapaz.
O episódio teve o ponto final com a seguinte locução de Duca Méndez:
- “Agora sim ficou bom ! – Viram que o guri é meu neto - Do jeito que o outro guarda me olhava e fofoqueira como toda polícia é , vocês logo iriam dizer que o Duca havia “emputecido” e que o velho motoqueiro era um “veado” que carregava seu amante na garupa ....”