MEIAS DE SEDA

MEIAS DE SEDA

A lembrança que tenho de minha sogra, cabelos pretíssimos, lisos, escorridos, muito brilhantes, presos num coque. As maças salientes do rosto quase dourado. Um sorriso triste, a pequena bolsa já um tanto gasta, mas ainda elegante presa em uma das mãos por uma corrente, transpassada com uma fita de veludo. Seu vestido comprido, escondendo as pernas meio tortas, magérrimas.

Ela saia toda arrumada. Parecia que ia a uma festa. Podia ir á feira, ao mercado, ou na escola buscar um dos meninos ainda pequenos, ela tinha uma dúzia de filhos, estava sempre trajada com esmero e certo luxo para sua miséria degradante. Pobre, coitada, infeliz e doente, lá ela ia. Nos dias de médico era um capricho só.

Não reclamava de seu destino. Acendia o fogão com a lenha que tinha, cozinhava o que encontrava. Às vezes os filhos mais velhos ajudavam com alguns legumes. Carne era prato impossível de provar. O marido vinha de vez em quando, fazer filho, para depois ela ir abortar na "curiosa" da cidade. Ele nem se dava conta dos problemas dela. Um pouco de tudo o afastava da família: a miséria, a doença fatal, a falta de vontade de lutar contra o destino.

Em sua solidão ela ainda sonhava com sua mocidade na capital oriental. Onde era formosa, vestia-se bem e tinha muitas amigas. Sonhos perdidos desde que desceu do navio no Porto de Santos. Sua família de imigrantes japoneses chegava ao Brasil em busca do ouro. Casou-se, e constituiu família. O marido era agricultor, não acostumado com as armadilhas da terra misteriosa, o Brasil.

Certa vez, dei-lhe de presente um corte de tecido todo estampado. - Muito bonito, né, dá bom vestido, ela falou em seu péssimo português. E sorria agradecendo com aquela tristeza estampada no rosto. Eu tirei as medidas e fiz o vestido para ela.

Lembro-me que na hora de vesti-la para o desfecho final, eu peguei sem querer o vestido que tinha acabado de fazer, e ela não tivera tempo de usar. Junto com uma de suas filhas, arrumamos o corpo, vestimos, e calçamos suas meias de seda. Ela se foi, há muitos e muitos anos. Em minhas lembranças, ficou a imagem de sua dignidade e elegância. Em seus momentos mais tristes, estava sempre com os lábios pintados, os olhos ressaltados com casal, parecia uma dama.

Quando meu sogro faleceu vinte e dois anos depois, tivemos que fazer a exumação de seu corpo. Curioso o que vi. No meio da terra, estavam o cabelo cumprido e negro, os pedaços do vestido estampado, e as meias de seda, calçando ainda os ossos da finada.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 21/05/2010
Reeditado em 21/05/2010
Código do texto: T2270275
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