CALAR A MINHA VOZ

Lembro-me da minha infância. Quando tudo era tão simples...

E em como eu era feliz...

E em quanto menos se deseja mais se tem.

Eu não tinha nada, mas tinha tudo...

Tinha os sonhos...

Na minha casa não havia iluminação elétrica, nem geladeira, nem televisão, nem nenhum dos confortos modernos... Mas havia diálogo.

Eu e meu pai podíamos conversar na penumbra dos lampiões... Ele podia me contar como fora a sua infância... Suas aventuras e desventuras...

Nós podíamos apreciar a chuva numa noite escura... Sentir o cheiro da terra molhada... E falar sobre ela.

Podíamos admirar os relâmpagos ao longe e imaginar desenhos mil...

Eu podia ouvir o meu pai tocar violão na varanda e cantar canções que eu não conhecia, mas achava as mais lindas do mundo.

Lembro-me também do dia em que meu pai presenteou minha mãe, com um pequeno rádio de pilhas...

Jamais me esquecerei do brilho nos olhos da minha mãe...

Ela ligou imediatamente o radinho e ouviu a “hora da ave Maria” com Julio Louzada... E ela permaneceu em silêncio em oração. E a partir daquele dia, àquela hora passou a ser sagrada. Minha mãe interrompia todos os seus a fazeres para ouvir o rádio... Aquela ave Maria cantada ecoa até hoje nos meus ouvidos.

Como sinto saudades...

E quando terminava, ela já estava com o jantar quase pronto... E nos servia com alegria.

Muitas vezes era um simples prato de arroz com feijão... Mas que parecia um banquete. E o nosso velho lampião alimentado a querosene, parecia ter um brilho especial, quando eu tentava ler sob aquela luz tremulante... As letras pareciam dançar em um ritmo frenético.

Lembro-me também dos meus sonhos: eu sonhava ser um homem tão grande quanto o meu pai... Sonhava ser um grande marceneiro, para fazer todos os móveis da minha casa. E quem sabe, montar uma pequena marcenaria para dar emprego a menores abandonados.

E num piscar de olhos veio a adolescência. E os sonhos da infância pareciam tolos. E novos sonhos tomaram seu lugar.

Já no final da adolescência, eu acreditava que poderia mudar o mundo. Com as minhas idéias revolucionárias e o vigor da juventude. Eu acreditava que pessoas poderiam mudar com o clangor da minha voz.

Eu militei, me envolvi e lutei por causas perdidas. Pois não se vence batalhas lutando sozinho. Pois as pessoas têm o hábito de transferir responsabilidades. E quando são convocadas a fazer a sua parte, encontram sempre algo mais importante a fazer.

Desperdicei a minha juventude acreditando que poderia fazer a diferença... Mas não posso!

Não adianta um brado poderoso, se as consciências estão ensurdecidas.

Então, passei de um indivíduo falastrão a um quase mudo...

As palavras estão engasgadas na minha garganta. Sufocadas pela iniqüidade humana.

E quanto aos sonhos?

Não os tenho mais!

Naioton
Enviado por Naioton em 20/05/2010
Reeditado em 23/05/2010
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