A escolha de Ivana
Ivana estava a beira da terceira idade, mulher bonita que passou das mãos dos pais para as mãos do marido possessivo ou por outra, possuído pelo deus das profundezas. O homem era arrogante, violento, egoísta e mentiroso. Ivana no início do seu casamento tentou voltar para a casa de seus pais e foi aconselhada pela sua mãe a permanecer no casamento e jamais se queixar porque a vida era assim mesmo. Ela se resignou e ficou trinta e oito anos casada, traída e tolerando todas as agressividades verbais do senhor seu marido. Mas vivia bem, se cuidava, com seguro saúde de primeira linha, casa boa, empregados e dinheiro para gastar. O marido adoeceu repentinamente, foi uma doença degenerativa e com a doença ele piorou. A dor não purificou o seu espírito. Passou a viver em uma cama hospitalar que foi montada em uma sala com todos os recursos, em sua residência. E Ivana se encarregou espontaneamente da copa. E o marido se encarregou de torturar Ivana. No final do primeiro ano, ela teve uma estafa e ficou mal. Foi resolvido contratar uma cozinheira só para cuidar das refeições do doente e uma enfermeira para fazer a higiene e passar a noite cuidando dele. Durante o dia quem segurava o rojão era Ivana, Certa manhã ele pediu o café da manhã mais cedo que o habitual só para contrariar, antes da chegada da pessoa responsável pela copa. Ivana serviu o café, medicou o marido, arrumou a cama, afofou os travesseiros, deu uma ordem na sala-quarto e ligou a televisão para o marido. Tomou o seu medicamento para baixar a pressão, apanhou sua bolsa e saiu de casa. O que seria só para relaxar se estendeu por três dias. Ela foi até um pequeno hotel no centro da cidade, se hospedou, pagou três diárias, apanhou as chaves na portaria e pediu para não ser incomodada. Deitou e dormiu durante dois dias, não se alimentou porque estava cansada, só desejava dormir. No final do terceiro dia, ela ligou para sua casa e falou com a nora que estava desesperada com o seu desaparecimento. Eles ligaram para todos os hospitais e não encontraram ninguém com suas características. Ivana avisou que estava bem e que ficaria em casa de uma amiga por mais dois dias e ouviu o senhor seu marido esbravejar. Caso ela não retornasse imediatamente ela não seria mais recebida em casa. Ela desligou o telefone, desceu, foi até a portaria para pagar mais duas diárias. Na volta ela pediu um lanche, se alimentou e adormeceu. Dia seguinte foi numa loja de departamentos e comprou um vestido e roupas de baixo. Ficou mais uma noite no hotel e viu que seu dinheiro estava acabando. Não ia dar para pagar mais diárias do hotel e não quis usar o seu cartão de crédito. Saiu do hotel as treze horas e foi sentar no banco da praça para pensar na vida e ali ela permaneceu até o anoitecer. Saiu, comprou um sanduíche e uma cerveja. Se alimentou e voltou para o banco, onde adormeceu em plena praça. Acordou com o guarda dizendo que era proibido dormir na praça. Meio sonolenta, caminhou assustada até um bar próximo, bebeu uma cerveja e comeu um salgado engordurado. Na saída esbarrou num homem e caiu machucando a cabeça. O homem perguntou a ela a quem deveria chamar e ela respondeu que não conhecia ninguém e foi com ele para o porão aonde ele morava. A pancada na sua cabeça foi muito forte e ele resolveu ir até o pronto-socorro municipal, onde ela foi examinada e com a cabeça enfaixada voltou para a residência porão. Sentiu dores, febre e ele cuidou dela. Alguns dias depois ela amanheceu melhor. Ele não se encontrava em casa. Ela levantou e tirou a faixa da cabeça e o que viu foi um buraco onde antes havia cabelo. Notou como estava suja e mal cheirosa. Com dificuldades saiu para a rua, comprou uma tesoura, produto de higiene, material de limpeza e alimentos. Passou em uma lojinha mambembe comprou vestido, roupas de baixo, lençóis, toalha de banho e de mesa. Ela cortou os próprios cabelos, vestiu as roupas limpas, lavou a que estava usando, se lamentando por ter abandonado suas roupas no hotel. Ela preparou uma sopa. Quando o dono da casa-porão retornou com um pacote de bolinhos fritos, ele encontrou uma mesa arrumada pois ela havia comprado pratos e talheres. Ele notou que a casa estava em ordem, dentro do possível, viu a roupa secando no minúsculo quintal e lembrou de um tempo distante quando outra mulher cuidara de sua vida, e fez um convite para Ivana morar junto dele. Ela ficou feliz por ter onde morar e passou a cuidar dele e da casa. Assumiu parte das despesas que pagava com seu cartão de crédito. Aí cabe um porem, ela esqueceu que cartão de crédito é um rastreador. Sua nora localizou-a através do cartão e foi até onde ela estava vivendo. Ivana foi convidada para voltar para casa, pois seu marido estava impossível, mas ela não aceitou e ficou no porão. Seu companheiro começou a receber seus amigos grosseiros para jogar cartas, bebiam toda a cerveja que ela pagava, devoravam toda a comida que ela preparava, Ivana virou serviçal de porão, mas não se lamentou. E o senhor seu marido ficou com a enfermeira que hoje manda e desmanda na linda casa que foi de Ivana. E todos estão felizes e vivendo em paz. O filho de Ivana aconselhou a mãe a não aparecer mais na saída do colégio para ver os netos, pois ela estava causando constrangimento para a família. E a escolha foi dela. Ivana está maltratada, está sem trato, nem laço. Vive apavorada, é espancada e está pagando para ver. Não se medica mais, sua vasta cabeleira bem cuidada é cortada a la joazinho. Sua pela está um coscorão. Saiu da vida e do casamento de mãos abanando e sempre lembrando que os velhos não devem tomar qualquer atitude drástica sob pena de perder o respeito e o amor dos filhos e dos netos.