A solidão de sua vida inclinou-lhe à busca de sua cara metade, sem que ponderasse, ou atinasse, para os sinais, tão à mostra, de que aquela não seria uma boa escolha. Unir-se aquele homem, não seria bom!
Apesar de sua boa aparência, e, da aparente calma, algo nele inquietava, incomodava... Era como que, se pudesse ver o rabo do gato por trás da cortina... Conselhos vãos.
A sua independência financeira, e o fato de ela ser uma pessoa bem sucedida, conhecida e reconhecida, profissionalmente, fez com que pensasse: – Se não der certo, parto pra outro relacionamento.

Palavras que, comumente, ouvimos, quer de jovens, ou dos que se acham maduros, em suas ideias; se assim fosse saberiam que relacionamento é mais sério do que podemos  imaginar.É partilhar cama e mesa; é abrir mão do que antes se tinha por seu. Quando a escolha é certa, tudo tende a acrescer: materialmente, psicologicamente, e espiritualmente falando.
Quando não, são perdas irreparáveis em todas às áreas, e marcas profundas.
Contrária a ideia do que diz certo dito popular: “O amor é cego” penso, que no amor faz-se bem “enxergá-lo através de potentes binóculos”.

Márcia, não mediu às consequências do seu ato insano... Casou-se, e, poucos meses, após seu casamento começou a vir à luz o que, antes, para ela estava oculto: o verdadeiro caráter de Jonas – o seu esposo –: aproveitador, ególatra, fanfarrão e boêmio.
Márcia estava na “idade da loba”, carente, cansada de experiências amorosas negativas, e marcantes; desejosa de fugir da solidão. Ironicamente, se encontrava mais só do que antes, contando com um diferencial: agora, as lágrimas lhe faziam companhia.
Longas noites se passaram sem que o outro lado da cama fosse ocupado.
Jonas gastava o seu dinheiro, com suas companhias de orgia; estourava os seus cartões, e, por vezes, passava dias sem chegar à casa.

Márcia que pensara está curada de um câncer que tratara anos atrás, voltou a sentir os mesmos sintomas.Agora era: Márcia, o câncer, e a solidão.
Definhando, sem parentes, nem empregados.
Afinal, ela não queria, que todos quantos, lhe aconselharam, a não se unir a Jonas, presenciassem a sua decadência.
Empregados, eram testemunhas de vista.. Seria de bom - senso usar de descrição.

Jonas tinha verdadeira fobia de doenças e tratou de mudar para um apartamento, deixando Márcia entregue a própria sorte. Enfraquecida pela doença e depressiva, entregou-se ao sofrimento, e, logo perdeu o que lhe restava de forças.

A casa estava abandonada, não tinha quem lhe preparasse a comida, lhe medicasse, ou mesmo lhe banhasse.
Diante do seu silêncio, a família inquietou-se, e, resolveu visitá-la. Ao chegarem à casa, encontraram-na caída no chão, fraca, desfalecida.
Imediatamente a hospitalizaram e meses após, Márcia veio a falecer.

Jonas herdou-lhe a casa, pois, do carro ele já se apossara.

Diante de fatos tão cruéis, medito sobre as ações dos que se assemelham ao deplorável caráter de Jonas.Somos feitos da mesma matéria, e, vulneráveis aos mesmos sofrimentos. Certo é que, não se constrói a própria felicidade, sobre a infelicidade alheia.

Há uma lei natural para os naturais; e divina para todo o que crer: Tudo quanto semearmos colheremos; ninguém fugirá, tampouco, poderá mudar esse fato; é incontestável!

Mentes cauterizadas, incapazes de amar, socorrer, ou mesmo, meditar nas próprias ações. A cura para a degeneração do caráter, se encontra na autoanálise.

Lembro-me de um texto - autor desconhecido – que, nos traz uma analogia contextual, pertinente a esse contexto:
Certo ancião tinha a sua esposa acometida do mal de Parkinson e, estando a anciã com a mente debilitada, já não o reconhecia. Assim, internou-a em uma clínica especializada. A mesma tinha perdido toda a coordenação motora, porém, o que mais o entristecia, era quando em visita a mesma,observava o seu olhar perdido... Mesmo, estando ele a sua frente.
Queria ouvi-la chamar-lhe o nome, ao menos, isso.Porém, há muito tempo nenhuma melhora tinha sido apresentada...O quadro se agravava mais e mais. Enfermeiros e médicos admiravam-se com as obstinadas e demoradas visitas, daquele senhor, sempre à espera da cura da esposa.
Todas as manhãs, ele chegava cedo para tomar café ao seu lado, e,contava-lhe às novidades...
Naquela dita manhã, ele demorou-se um pouco mais, conversando com o seu barbeiro, e , quando olhou para o relógio percebeu, que estava atrasado, para o seu encontro diário com a sua esposa.
Saltou da cadeira e disse: “-Vou chegar atrasado, para o café da manhã com a minha Cely..”
Disse o barbeiro: – Mas, por que a pontualidade, a pressa? Ela não lembra de nada...Imediatamente ele respondeu: – Verdade... Mas, eu lembro!


EstherRogessi, Conto: A DESDITA DE MÁRCIA, 13/05/10
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O trabalho A DESDITA DE MÁRCIA de EstherRogessi foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0
Brasil.
EstherRogessi
Enviado por EstherRogessi em 14/05/2010
Reeditado em 25/05/2013
Código do texto: T2255906
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