FAXINA DE RAIVA

Casamento desmoronara há um mês. Ou seria, uma semana? Vassoura golpeava assoalho. Destruía teias de aranha gordas cuja existência ignorara na felicidade. Algumas, ali, misturando-se a seus cabelos. Como não as percebera? E, dele que te dele, vassouradas.
Em meio à bruma de poeira, recordava. Rosas vermelhas, ao sair da faculdade, à noite, pelo Dia da Mulher… E foi assim que descobriu que seu amor tinha outro amor. Soube através de pergunta ingênua da amiga a respeito do orvalhado ramalhete de rosas com o qual vira seu marido, bem cedinho, pela manhã de 8 de março.
Lembrou de como fora idiota ao limpar o carro e encontrar notinhas do supermercado com registros de compras de artigos que nunca vira em sua casa. Acreditara—que ódio!—na explicação do safado: comprara produtos para bebês,coisas como Nestogeno, fraldas, lenços umedecidos, todos para a funcionária da limpeza da firma, pois ficara viúva com duas criancinhas para sustentar. Mais raiva ainda, quando recordou do beijo que depositou, comovida, nos lábios—que nojo—do mulherengo.
Chegou aos estofados da salinha. Aí empunhou a vassoura e espancou deles marcas do homem que ali deitara, ou sentara, por tanto tempo. Bateu e bateu e bateu até perder o fôlego.
E aquela tarde em que forçara uma amiga do salafra a lhe dar a ficha da fulana, inclusive telefone e endereço. A informante, com dó da traída—ou querendo assistir ao barraco total—levou-a, em seu carro, até a quase favela da outra. Encontrou-a frente à boate de desesperados ( só esses teriam coragem de entrar naquela espelunca), acertando preço de programa com alguém bem parecido com o melhor amigo, e compadre, do famigerado. E era, mesmo, ele: pai de três menininhas e marido modelo—conforme sua comadre. Fez questão de cumprimentá-lo.
A dançarina virou estátua , quando a traída arregaçou as mangas e iniciou a gritar um desfile de palavras específicas, e nada elogiosas, dirigidas à mulher-dama. A informante precisou conter sua amiga, pronta para usar a vassoura de piaçava encostada numa cerca de arame farpado, pertinho do fusca. Os estofados gemiam poeira, quando a moça recobrou a raiva e retomou os açoites.
Cansada, sentou-se, por uns momentos, no banquinho sobre o qual o fulaninho escorava seus pés descalços e tomados de frieiras, cujo odor nunca a incomodara antes. Apaixonada a ponto de anular até mesmo o próprio olfato.
Como fora burra! Aguçou-se, novamente, sua gana de limpar sua casa e sua vida. Lá vem a vassoura outra vez. Tirara as cortinas para lavar. Ou botar no lixo: cheiravam a cigarro. Dele, claro.
Subiu num banquinho e penteou com a palha da vassoura as sanefas largas. Aí, começa a chuva de Jontex coloridas, musicais e com texturas especiais a inundar a sala.
Examina-as: o cafajeste , provavelmente, comprara tudo na viagem a negócios que fizera a Rivera. “Negócios, sim, conta outra”, falava enquanto juntava os preservativos. Nos últimos tempos, naquelas conversas DR, confidenciara a ela que o cardiologista o havia proibido de ter relações íntimas: logo estaria na mesa de cirurgia para pontes de safena. E ela chorara em seu ombro... Acreditara.
Colocou as Jontex em várias sacolinhas coloridas . Lavou as mãos. Ligou o computador e a impressora e, então, sorrindo , digitou anúncios. Recortou-os com a tesoura de picotar. Fez uma espécie de kit: caixa de tachinhas, sacolas,com três camisinhas em cada uma, quinze anúncios de prestação de serviços muito privados. Tirou o carro da garagem apertada e , decidida, distribuiu os kits em lugares estratégicos: saída de quartéis, paradas de ônibus, estação do trem, na entrada de um circo de lona rasgada.
Voltou para casa e ria muito ao imaginar a cara da fulaninha, dançarina de poste, ao receber tantos telefonemas marcando programas. Era óbvio que, com aqueles dados apelativos para a gatona manhosa e mais as três camisinhas estratégicas, os bobocas de plantão enlouqueceriam para tentar sua vez com a garota do filme XXX.
A raiva passara e, em sua casa, cheirando a flores e eucalipto, deliciava-se com a novela, uma Coca-Cola geladinha e um pedaço de pizza.

Ilram Rekrem
Enviado por Ilram Rekrem em 13/05/2010
Reeditado em 13/05/2010
Código do texto: T2254250
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