Culpa
Estava ali, mas como gostaria de não estar. Desconfortável. Nitidamente constrangido com o que fizera, buscava dentro de si uma justificativa, uma desculpa convincente, mas os argumentos óbvios da sua alma não convenciam nem a ele mesmo, por isso não disse nada, esperando que ela quebrasse o silêncio. Olhava para si mesmo, e no seu autoconfronto julgara-se sem autoridade para propor qualquer coisa. Como criança que fez arte, assim estava, esperando a sua sentença: exposto, entregue, sem defesa.
De cabeça baixa, fixou o olhar na mancha do carpete, e pensou:
– “O que será que derramaram ali? Parece café”.
Mais uma tentativa frustrada de fugir dos pensamentos que consumiam o seu interior. Queria se distrair, mas não teve jeito, sua mente voltou a pensar no que não queria, por mais que se esforçasse era incapaz de desviar-se do assunto que mentalmente se desenrolava, pois o que imperava, na pequena sala onde estavam, era o silêncio.
Silêncio ensurdecedor. Ninguém falava, mas as vozes do íntimo reverberavam dentro dele como barulho de grande cachoeira. Pensamento acelerado, cobrança que não cessa, voz que se repete, insistente:
–“O que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz?”
– “Ah, se eu tivesse uma nova oportunidade, uma única chance! Certamente faria diferente. Não seria mais do jeito que foi; eu sei que não seria!” – gritava ele por dentro, sem abrir a boca, sem emitir som.
E o silêncio prosseguiu. Ele não ousou dizer nada, e percebeu que o silêncio dela era proposital. Uma estratégia de castigo – crueldade do credor diante daquele que lhe deve. E assim, ela fechou a revista que folheara durante todo o tempo, disse “boa noite” saindo em direção ao quarto, enquanto ele permaneceu no porão da tortura.