Trocas
Foram muitos os álbuns de figurinha que eu colecionei na minha infância. Todo o ano aparecia um novo, e generosamente meus pais me davam dinheiro para, diariamente, comprar os pacotinhos com as figurinhas. Certa ocasião, meu pai ficou tão animado que chegou a comprar cem pacotinhos de uma só vez, totalizando trezentas figurinhas. Eu abria os pacotinhos com todo cuidado para não rasgá-las, e quando achava uma que não tinha, fazia uma festa; e depois colava caprichosamente uma por uma com goma arábica. O álbum eu guardava entre os livros grossos e pesados da enciclopédia panorama, porque assim ele não amassava, ficava bem lizinho, e na minha vaidade de criança exibia-o aos meus amigos que ficavam babando.
Os temas dos álbuns eram variados, tinha de artista de novela, cantor de televisão, animais da África, bandeiras de países, mas os que eu mais gostava eram os de times de futebol. As figurinhas repetidas, a gente trocava ou apostava no jogo de bafo. Foi então que, para atrair a garotada, as empresas promocionais começaram a investir em álbuns que ofereciam prêmios. Eles davam bolas, bonecas, faqueiros, rádios de pilha, e prometiam até bicicleta, televisor, fogão e geladeira, o que despertava ainda mais o interesse dos pais e da meninada.
Lembro-me especialmente de um, que não era de jogadores de futebol, mas da fotografia do prêmio prometido. Eles dividiam a fotografia em várias partes e quando alguém conseguia completar aquela página, ia até a lojinha do Alfredo, onde comprávamos as figurinhas, a fim de reivindicar o prêmio. Os brindes menores já estavam na loja: a boneca, o jogo de dama, o jogo de dominó, a bola, enfim, os de menor valor. A bicicleta, o aparelho televisor, o fogão e a geladeira, viriam de São Paulo quando alguém completasse a página. Ao menos é o que dizia Alfredo, dono da loja e representante da empresa paulistana que inundava o interior do Estado com as promoções. Nunca soube de ninguém da cidade que tivesse alcançado algum prêmio dos maiores. Os que saiam eram os joguinhos, bonecas e bolas. Mas mesmo assim as figurinhas ganhavam cada vez mais espaço tornando-se uma verdadeira febre para a garotada.
Iniciei a minha nova coleção com a convicção de que ganharia aqueles prêmios todos. Porém, depois de comprar muitos pacotinhos de figurinha, as páginas ficaram quase completas, mas sempre faltavam uma ou duas. O Alfredo me contou que as que faltavam eram as que traziam impressas sobre elas o desenho de uma chave. Na verdade, explicou o amigo vendedor, o que valia mesmo era a figurinha que tinha o desenho da chave. Se alguém conseguisse a figurinha com a chave, de posse dela, já poderia trocar pelo prêmio sem ter que completar a página, as outras figurinhas serviam apenas de ilustração. Obstinado pelos prêmios, eu comprava mais e mais pacotinhos, me frustrando a cada compra e aumentando o número de figurinhas repetidas.
Foi então, que um menino do nosso bairro, num golpe de sorte de fazer inveja ao menininho que eu era, com muito menos recursos, e muito menos investimento, comprou um único pacotinho e dentre as três figurinhas que cada um continha, ele encontrou a figurinha chave da boneca mais cobiçada da época. Era uma que chamavam de dorminhoca, mais um enfeite do que boneca, e as mulheres adoravam colocar aquele objeto molenga em cima da cama depois de arrumada. Eu queria fazer um agrado a minha mãe, e me aproveitando da ignorância do menino, que não sabia que era só ir no Alfredo e trocar pelo prêmio, ligeiro propus:
– “Quer trocar essa figurinha por trinta que você não tem?”
A princípio, ele resistiu, argumentando que aquela era importante porque tinha o desenho da chave. Rebati dizendo que no álbum dele faltavam muitas figurinhas e com as trinta que eu lhe daria, ele teria mais chance de alcançar o prêmio. Lilico percebeu que eu estava muito interessado e “aproveitou-se” do meu interesse:
– “Troco por cinqüenta”.
Nem rebati, sem pestanejar fechei logo questão. Peguei o meu pacotão de figurinhas repetidas e deixei que ele alegremente selecionasse as cinqüenta que mais lhe agradassem. Ele estava eufórico, achando que de fato fazia um grande negócio. Depois da transação – figurinhas pra lá e figurinha pra cá – corri no Alfredo e peguei a boneca. Cheguei na minha casa com uma satisfação inexplicável e presenteei minha mãe.
Que vergonha! Em todos os sentidos: que vergonha! Primeiro, porque enganei alguém que eu chamava de amigo. Segundo, porque a mentira não durou nem duas horas. Não sei quem contou para o Lilico, mas ele descobriu que a figurinha sozinha já dava direito à boneca. Muito irado com tudo aquilo, foi até a minha casa e não teve jeito, passei o vexame de ter que devolver o presente da minha mãe, além de ser severamente repreendido por ela.
Meu amigo descobriu que havia feito um mau negócio. A troca de uma figurinha por cinqüenta lhe deu a falsa impressão de que sairia ganhando, mas descobriu que, de fato, ele havia sido enganado. No caso do Lilico, a troca ainda teve como ser revertida. A sua perda foi recuperada. Porém, muitas vezes efetuamos trocas que nos causam prejuízos irreversíveis, que mesmo querendo não podem mais ser reparados.