Sob um Óculos Escuro
Eram seis da manhã. Aos poucos senti a necessidade de vestir-me adequadamente para aquele dia frio. Camisa, Suéter, Paletó e um Sobretudo. Após algumas instrospecções, lançadas no espaço entre eu e o espelho da sala, resolvi ir logo aos meus afazeres.
Ainda com os pés sobre o capacho encardido com barro referente a todo trajeto que fiz durante a chuva na noite anterior, uma luz intensa ardeu em meus olhos fazendo-me recuar com o pé esquerdo. Entrei novamente e pensei: "Curitiba".
Desloquei-me rapidamente ao meu quarto, abri a gaveta e peguei meu óculos escuro. Incrível como nestas horas o tempo é relativamente rápido, nos causando a impressão de atraso. Eu não estava atrasado. Lembrei-me do capacho.
Ao sair, enrolei o pedaço de borracha, caminhei em direção ao ponto de ônibus, visualizei um muro amarelo incômodo, desenvolvi ódio proposital para que pudesse ter força suficiente para ver meu ex-pedaço de borracha em cima do telhado infeliz da pessoa que escolheu aquela cor para seu muro. E assim foi. Continuei a caminhar controlando a respiração para que aqueles pedaços de carne não desviassem sua atenção para mim. O sol não me incomodava mais e pude ver o ônibus chegando antes de todos ali presentes.
Entrei, cumprimentei o motorista (sem olhar nos olhos), e avistei um daqueles bancos individuais, isolados e sem vômito aos pés. Quase chorei de alegria. Haviam três pessoas à minha frente.
A primeira sentou-se aos fundos, a segunda ficou de pé, e a terceira, maldita, sentou-se em minhas expectativas. Contive-me. Ao passar por eles, o banco e a mulher, já os esqueci. E sentei-me em um incômodo banco duplo de frente para mais outro ocupado por duas lindas jovens.
Pouco mais de dois minutos passados, olhando para fora, lembrei-me que poderia prestar atenção nos assuntos discutidos por elas. E ainda observar a maneira que gesticulavam. Adoro esta forma de diversão, e sim, seres anti-sociais também têm suas alegrias.
Elas conversavam sobre suas vidas medíocres e faziam paralelos com enredos televisionados aos quais assistiam às nove horas todos os dias. Uma delas, esfregava as mãos no intuito de aquecê-las continuamente, ela não parava. Irritei-me. Até que o fato de estar usando um crachá da mesma empresa em que estava trabalhando me distraiu.
"Sabe, vou escrever um livro sobre minha vida. Ninguém jamais sofreu como eu" disse a mulher ainda esfregando as mãos.
Passei a esfregar as minhas mãos até que sangrassem, em luto.