O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Ele passou o braço direito pela testa e limpou o suor que escorria por seu rosto; trabalhara o dia inteiro em sua pequena plantação. O sol brilhava forte, castigava, como costumava fazer no início de todos os verões. Quando levantou a cabeça, sorriu. O ônibus que trazia as crianças finalmente chegara, era hora de iniciar a colônia de férias, o momento de se dedicar àquilo que mais gostava, à atividade para a qual se preparava durante o ano inteiro.

Dona Maria mandou lhe chamar, queria vê-lo limpo e arrumado para encontrar com as crianças. Osvaldo obedeceu prontamente, afinal, também queria causar uma boa impressão. A experiência que ganhara nos últimos anos tinha lhe ensinado que era preciso causar um efeito positivo nas pessoas assim que fosse apresentado.

Ele seguiu para o seu quartinho, uma pequena construção que ficava ao lado da casa principal da fazenda. Tomou um banho, penteou o cabelo e se encaminhou em direção à biblioteca. As crianças já o esperavam, algumas por já conhecê-lo de outros verões. Osvaldo era excelente contador de histórias. Ou melhor, talvez excelente seja um adjetivo inapropriado. Osvaldo era incrível, mágico; aquele tipo de pessoa a que normalmente não damos atenção, mas que se transforma quando se envolve com as coisas de que realmente gosta. E assim era com ele, sempre uma surpresa. As palavras encantavam, a voz as recitava com precisão, no tom certo para envolver quem o ouvia.

A tensão na sala era nítida, mas um tipo de ansiedade boa... e boba, de criança. Elas fitavam Osvaldo com os rostos iluminados; os olhos divagavam, perdidos num mundo de sonhos, de histórias. E o dia passava sem que ninguém ousasse se mexer. Impérios eram construídos e depois se acabavam. Grandes heróis percorriam a biblioteca, atiravam-se contra moinhos e gigantes, partiam em aventuras, salvavam donzelas e, claro, cumprimentavam as crianças. Elas podiam sentir; o cheiro das fábulas, o toque das histórias, o sabor das palavras, dos sons, o gosto pelo livro.

E Osvaldo prosseguia verão adentro. Quem precisava brincar lá fora quando na biblioteca penetravam em um mundo novo? O mundo de Osvaldo, os mundos de Osvaldo. E ele sorria. Não tinha outro momento na vida em que se sentisse tão completo. Desde pequeno, sempre fora criativo, imaginativo, uma criança por demais sonhadora, seus pais diziam. Mas ele não ligava. Fazia os trabalhos no campo e depois se sentava no mato; perdia-se por horas com o olhar fixo nos céus e nas plantas, criava histórias ao ar livre, como sentia que elas mereciam ser criadas. Amava todas as coisas, em especial as crianças, aqueles seres novos e ainda tão cheios de potencial que visitavam a fazenda a cada verão. Podia notar nos olhos delas o encantamento, em umas mais do que em outras; mas todas embarcavam, partiam com ele em viagens homéricas, empreitadas secretas, fugas alucinadas. Cantavam com os menestréis e exploravam os vales, desvendavam crimes e capturavam bandidos, depois comemoravam com o Saci. Como eram bons aqueles verões!

E quando tudo passava, Osvaldo voltava ao trabalho na fazenda, retornava aos animais e às plantas. Eram meses na lavoura, suando e capinando. Mas ele não reclamava. Sabia que tudo valeria a pena no verão seguinte. Enquanto isso, cuidava de tudo na fazenda com muito carinho; conversava com as flores, brincava com os animais. Tinha um cuidado especial com cada cantinho de natureza, pois tinha a consciência de que suas histórias nada seriam sem tudo aquilo que ela lhe contava.

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Leonardo Schabbach
Enviado por Leonardo Schabbach em 05/05/2010
Código do texto: T2239030
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