Moça de fino trato

Sebasti, moça de fino trato. Filha de pecuarista mineiro, proprietário de touro de renome. Se comparado ao mundo do futebol, um toro equivale a um jogador. Uma central de inseminação equivale a um time e o pecuarista equivale ao proprietário do passe. Reprodutores consagrados valem até cinqüenta por cento a receita que geram. Sebasti nasceu entre as fazendas do seu pai e foi ela que me ensinou o pouco que sei sobre pecuária. Ela é expert no assunto. Se der corda, a conversa vai longe. Sebasti era a esperança de seu pai. Entre os filhos era a única que realmente se interessava pelo negocio de família e estava sendo preparada para essa função. Até ela se apaixonar por um rapaz que fazia as meninas da época perder o juízo. O pai do rapaz era funcionário da estrada de ferro, pois foi só cruzar o olhar com Sebasti na porta do colégio, que ela soube que com ele iria até as profundezas. O que ela não contava é que o rapaz em questão seria o próprio deus das profundezas. Na sua vida de menina bem nascida, tudo corria. Seu pai não aceitou o namoro, não apreciava as más qualidades do pretendente a genro e resolveu a questão perguntando ao rapaz quanto ele queria, em dinheiro, para se afastar de sua filha. O rapaz não aceitou a proposta e Sebasti foi despachada para a casa de parentes onde permaneceu durante mais de um ano. Ele conheceu outros rapazes de boa índole e educação mas resolveu se perder de amores pelo rapaz de má reputação. E quando completou vinte um anos casou escondida e rompeu com a sua família para viver sua grande paixão. Não se sabe que trama fez seu pai, o fato é que ela se viu deserdada, mas estava casada com o rapaz mais belo das Minas Gerais, que, passado o primeiro período de vida conjugal, resolveu descontar toda a sua revolta e ódio do sogro em cima de sua bela mulher. Ele era aventureiro, desleal, mentiroso e bestial. Sebasti agüentou tudo sem se lamentar. Teve dois filhos, passou pelo fogo cruzado na esperança de tudo se ajeitar. Só que nada se ajeitou. Com os filhos adultos ela vivia aos trancos e barrancos até o dia que o marido lhe deu a noticia, ia trabalhar no exterior. Ela animada se candidatou. Queria acompanhar o marido, coisa que ele recusou. Preferia que ela ficasse para administrar os negócios do casal. Ele passou a enviar todos os meses uma boa quantia em dólares que eram muito bem guardados pela mulher. No inicio ele apareceu quatro vezes por ano, mas já nos anos seguintes foi decrescendo até que chegou ao ponto de aparecer apenas duas vezes em um ano. Sebasti cansada de tanto esconder os dólares, resolver que era hora de fazer aplicações. Ele não concordou e discutiram pelo telefone. Nada feito. Até ele aparecer novamente. Ele chegou muito diferente, até plástica ele fez. E na bagagem trouxe quimonos de seda pura e cuecas de grife. Camisas maravilhosas. Era outra pessoa. Sebasti só entendeu quando ela viu o arsenal de produtos eróticos na bagagem do marido. Ele saiu do armário e assumiu o seu lado enrustido e ela, ficou firme, durante dois longos dias. Na saída ele pediu a mala de dólares com a desculpa de fazer as aplicações. Ela entregou a tal mala recheada com todo o arsenal de produtos eróticos e filmes que usou com ela durante vinte e cinco anos. Pois quando ele descobriu o logro, pediu conta do dinheiro. Ela respondeu que fora assaltada e que o ladrão levara os seus sonhos e ilusões e todo o dinheiro. Resultado, Sebasti levou uma coça como ela mesmo diz, mas ficou firme. Ele entrou com pedido de separação com o que ela concordou plenamente. Ele exigiu na separação de bens a casa de praia do casal e um apartamento. A casa ela transferiu para o nome dele, o apartamento não. Nessa época ela foi me visitar. Fiquei impressionada com tantos hematomas pelo seu corpo e rosto; e mais um dente quebrado, da frente. Perguntei, Sebati não está na hora de você entregar a mala de dinheiro para esse paranóico promiscuo e dar um basta nesta situação? Nós sabemos que ele vai te torturar pela vida afora. Ele respondeu que o dinheiro foi pelo anos perdidos e que já havia gosto tudo na compra de uma franquia para o filho e um apartamento e que o propósito de sua visita era me entregar o convite para inauguração do maior laboratório de análises clinicas do sul. Ela era sócia da filha bioquímica. Assustada perguntei, onde você arrumou tanto dinheiro. Será que a mala deu filhote? Ela respondeu, durante esses vinte e cinco anos meu pai a cada venda de gado separou a minha parte, coisa que guardei em segredo e não contei para ninguém. Ele fez aplicações e hoje sou dona de uma central de inseminação. Já recebi até um troféu muito importante da pecuária brasileira, pois de acordo com uma instrução normativa do Ministério de Agricultura e Abastecimento, touros em coleta de sêmen são obrigados a viver em centrais. A Associação Brasileira de Inseminação Artificial tem dezenas delas em sua lista de associados, nas quais se abrigam setecentos touros. A última mensagem que recebi dela dava conta que seu pai completara oitenta anos com muito vigor físico e fez uma grande festa. Estava bem de saúde e feliz com a volta da filha pródiga e que ela estava amando. Como não poderia deixar de ser, um pecuarista amigo de seu irmão, e que a família estava feliz com a novidade e se tudo der certo, o casório será ainda esse ano e suas amigas serão as madrinhas da noiva. O senhor em questão é apaixonado por Sebasti desde os tempos de colégio. Olha amiga, estou torcendo pelos dois. Sebasti em vinte e cinco anos de convivência com um homem bruto não perdeu a sua essência e ainda acredita no amor maior. Quanto ao senhor que saiu do armário, esse vive em Miami em companhia de um fauno. Viveu vinte e cinco anos em doce e suave companhia e não aprendeu nada! Ou será que aprendeu?

Vinte anos de menos só seria mais jovem nunca mais amorável. Já desejei ser outra. Não desejo mais não. (Adélia Prado)