A Sombria Clara

A casa era a mais bela da cidade, por esse motivo todos que conheciam possuíam a vontade imensa de querer essa casa para si. O segredo desse sucesso estava na decoradora: a dona dessa casa era uma arquiteta e decoradora renomada da cidade. Essa jovem senhora era a mais bela por onde passava, pois ela possuía todas as qualidades que uma pessoa querida necessitava para ser bem vista por todos.

Clara, a dona da casa, nem sonhava em ser arquiteta, mas ao realizar esse plano, notou que sua presença não se fez presente às pessoas que lhe interessavam.

A partir dessa descoberta o desejo de sua vida foi fazer-se clara aos olhos Deles.

Longe Deles ela sempre brilhava. A claridade de Clara só não ofuscava o sol, por causa da intensidade que esse radia sua luz. Isso tudo, porque ela se encontrava enquanto pessoa. Ela conquistou a tarefa mais difícil que é fazer brotar em si mesmo o “Tu” como ele é nele mesmo. Mas, não se fez brotar Neles, ninguém lhe compreendia, porque o seu grito de socorro era um “grito mudo” e as pessoas para quem ela gritava eram “surdas”.

Essa rotina de gritos e surdez levou a vida toda.

A vida dessa arquiteta foi planejar a maneira como ela iria ser vista por Eles. Ela pediu e ofereceu ajuda, chorou, riu, brigou, humilhou, se humilhou tudo isso em troca da luz dos seus olhares.

A arquitetura em sua vida se fez presente, porque Eles idealizaram e, por isso, ela tornou-se. Ela não só cursou arquitetura tornou-se a maior arquiteta da cidade. Tudo isso não levou ao reconhecimento esperado, pois Clara ainda era ignorada. Suas amigas, certa vez, numa brincadeira que lhe deixou bastante magoada, lhe disseram que seu nome não deveria ser Clara e sim Obscura.

Eles viviam para condenar as suas ações e pensamentos, até o seu andar era comentado de forma jocosa. Essas críticas não passavam de um divertimento de fim de tarde, pois ninguém estava preocupado com o andar dela, que era curvado por ser muito alta. Ou fazia uma critica verdadeira aos seus pensamentos, até porque ninguém sabia ao certo o que realmente ela pensava.

Criticavam, porque ela era clara demais e fazia os seus pensamentos adormecidos despertarem.

A negação dessa jovem arquiteta era pelo fato da desarmonia que há na diversidade. O maior problema é encontrar o “eu” no “nós”. Isso Clara tinha feito, ela já tinha se encantado pelo cotidiano, entretanto, a sua jornada foi tentar o contrário que Eles se encantassem por ela.

Clara nem sombra fazia e isso angustiava a arquiteta!

Compreendendo que ser uma grande profissional não foi o suficiente, para ser a pessoa respeitada e compreendida por Eles, ela resolveu largar tudo e tentar viver com e e para Eles.

A casa que foi construída com a maior dedicação, ela resolvera vender para viver com Eles, no entanto, ao saber disso, Eles disseram que não. A justificativa foi que ela tinha construído a vida dela e não tinha porque agora querer retornar.

O ciclo da vida é único e imutável, na vida só resta caminhar, essa fora a grande lição que Clara aprendeu.

Mais uma vez Clara não foi compreendida, as pessoas não perceberam a sua real vontade e mais uma vez ela fica sem saber o que fazer. Pensou em gritar, mas não adiantava, porque ninguém nunca lhe escutara.

Vendo que a arquitetura e o comportamento correto diante das pessoas da sua cidade não levaram a nada, ela resolveu fazer tudo ao oposto da maneira como vinha agindo. Inicialmente abandonou a profissão e começou a viver precisando Deles e a sua vida privada começou a ser assunto da cidade, porque ela começou a fazer questão que sua vida com os seus parceiros e parceiras fossem assunto da cidade.

Dessa maneira, ela imaginou que Eles iriam notá-la, ledo engano, porque, Clara ficou mais isolada a partir do momento que Eles tomaram conhecimento dos novos fatos. Pois afirmaram que desconheciam aquela Clara e que não se importavam com as suas atitudes.

A vida de Clara foi transformada pelas suas atitudes cegas para ser notada. O uso de drogas e as incansáveis festas realizadas por ela foi se tornando um fator agressivo a sua saúde. A jovem que tinha tudo pela frente começou a viver contra a parede. As pessoas que admiravam a sua beleza e o seu caráter começaram a ficar constrangidos em perceber no que ela tinha se transformado.

Ela trocou o dia pela noite, não queria mais ver a claridade e nem o seu próprio nome não tinha mais vontade de ouvir. Seu nome lhe lembrava fracasso e desespero, pois tudo que na vida mais quis não foi alcançado: a epifania dela mesmo Neles. Com isso, a sua vida se resumiu em drogas e festas. Todos os tipos de drogas que pôde ter contato foram consumidos por ela.

Tudo isso, ela fazia para não ficar consciente, a sua maior dor era a consciência da sua condição existencial. Possuir discernimento de ser negada por ser o que é foi a morte e a única saída encontrada foi viver fora dessa realidade. Pela manhã ela dormia e a noite se drogava, para continuar existindo.

A beleza estonteante de Clara foi se perdendo, porque ela não era mais a pessoa que sempre fora. Como não foi aceita como era a arquiteta transformou-se, para ser notada e aceita por Eles, entretanto, acabou tornando-se uma pessoa desfigurada, nem ela própria se conhecia mais.

Ela se perdera na imensidão da ignorância do sistema que fora gerada.

Feito uma louca, Clara ficou desnorteada, sem um oriente. Ela não conseguiu encontrar a luz no túnel e seu nome apagou-se. E mesmo assim, sem a luz do seu nome reluzindo para Eles, ela não foi percebida. A rotina Deles não modificou e ela ainda era a peça que o sistema Deles não aceitava. Nem na fase bem sucedida nem na fase a margem das regras morais estabelecidas por Eles.

Com a constatação que ela tinha algo que nunca fora explicado para tamanha negação, Clara começou a dobrar as drogas utilizadas.

- “Preciso dobrar as drogas do engano momentâneo. Porque, não quis casar, ter filhos e depositar neles a espera desse milagre”.

O maior erro de Clara foi ter sido humana. Ela verdadeiramente estava ligada a Vida e com isso mantinha uma relação embrionária e infinita com a terra. O fato dela reconhecer essa ligação embrionária lhe transformou nesse ser incompreendido e conseqüentemente negado por Eles.

Nas suas idas e vindas das festas, numa certa manhã ao chegar em casa não conseguiu dormir, pois estava com um alto teor de drogas no seu sangue e, por isso, não conseguia descansar. Mas, o que lhe incomodava não era ficar acordada e sim está em contato com a luz solar. A luz que lhe angustiava, nem o seu próprio nome soava bem aos seus ouvidos. E para conseguir dormir ela recorreu a alguns remédios que tinha em seu armário. Num ato de desespero ela colocou os óculos escuros e fechou à cortina que protegia a luz que adentrava pela janela, esse era o único lugar o qual entrava luz no seu quarto.

Com a luz menos intensa aos seus olhos, Clara começou a desarrumar todo o armário em busca dos remédios que tomava para se acalmar em dias de fúrias, isso acontecia quase todos os dias. Depois de vinte minutos de intensa procura ela encontrou os calmantes.

Com os remédios nas mãos ela não pensou duas vezes e correu ao encontro do vaso com as flores que estava em cima da mesa com os livros. Essas flores conhecida como cactos foi um presente do rapaz que entregava o gás em sua casa, ele lhe dera porque escutou seu grito de socorro. Sem querer ir a cozinha pegar água para tomar os remédios, Clara estava num estado inconsciente das suas ações que achara que encontraria água naquele recipiente. Um tipo de flor que só é necessário regar em quinze e quinze dias e tendo como medida, á água para regar, um bocal de caneta.

No momento que se viu com os remédios nas mãos e sem água, ela ao virar-se e ver seu aquário com o peixe beta ingere o remédio com essa água. Esse peixe é extremamente violento e por isso vive sozinho, por esse motivo é conhecido como solitário.

Clara tomou cinco remédios de uma só vez. Assim que tomou o remédio ela se sentiu fora do seu corpo e as vistas depois de dois minutos de ter ingerido os remédios ficaram escuras. Ela deitou-se na cama e olhou ao seu redor com a cabeça doendo bastante. E nesse transe que se encontrava percebeu que sua vida tinha dado uma volta de trezentos e sessenta graus. E antes de dar seu suspiro mais feliz constatou que a vida dela e das pessoas a sua volta fora um corpo em decomposição.

Eles ao entrarem no quarto de Clara e constatarem a cena afirmaram que ela escolheu terminar assim. O laudo da morte dela foi por overdose e todos na cidade abominaram a ação dela:

- “Ela se suicidou e isso não é de direito. Só Deus pode tirar a vida do homem. Ela era uma criminosa e nós não sabíamos”.

A combinação encontrada no sangue de Clara, segundo os médicos legistas, foram midazolan, alprazolan, prometazina, clozapina, haloperidol e os médicos afirmaram que não fora as doses que contribuíram para o desfecho e sim a combinação, porque ela tinha usado cocaína e outras drogas.

Na casa de Clara fora encontrado o seu corpo, na cama, o peixe solitário, no chão morto, o cacto e um passarinho abóbora e preto conhecido como Sofrer. Esses símbolos retratam a vida, que não foi vivida, de Clara.

Ela não viveu a sua vida, porque queria se fazer clara e viva na vida Deles.

11/02/2009