em pleno voo

Em pleno vôo tomando disfarçadamente uma garrafa de conhaque, estava esperançoso que acontecesse uma turbulência, daquelas que parece que a porra do avião vai cair e que sempre que acontece as pessoas ficam olhando umas pras outras pra tentarem se acalmar, se um estiver com cara de medo o outro fica com medo também, mas se a cara do sujeito for de uma vaca pastando na Índia o espectador fica tranqüilo.

O vôo iria levar umas 3,5 horas e como sempre eu ia à janela e como sempre num assento imediatamente à frente de uma criança, cuja mãe retardada nunca repreendia o vermezinho por estar chutando ou empurrando a poltrona da frente, nunca reclamei com essas vadias porque será muito pior pra ela continuar educando seu rebento assim; num futuro relativamente próximo ela perceberá a merda de criação que deu ao filho, mas aí já será tarde, ele já terá barba e pelos pubianos, como ela nunca exigiu respeito, vai ter que aturar o filinho mimado e sem limite, sem reclamar. Seria muito pior se eu falasse com ela e a vagabunda começasse a perceber que deve corrigir seu filho, lhe pôr limites, ensiná-lo boas maneiras e respeito pelo próximo e de repente isso virasse moda e as mães educassem seus filhos, provavelmente em quinze anos eu não teria mais sobre o que escrever.

Voltando ao vôo. Já tinha conseguido tomar metade da garrafa e o efeito do álcool era potencializado pela altitude, o que me fazia sentir muito bem. Continuava esperançoso em relação à turbulência, a criança, de vez em quando, chutava meu banco, os comissários já serviam o lanche, que era um bolinho de chocolate com gosto de cú-mal-lavado e refrigerante quente. Dispensei o refrigerante, aceitei o “cuzinho podre”, enfiei tudo na boca de uma vez, forcei a descida com uma golada da minha bebida. Assim fui pego. Veio uma aeromoça com aquela educação forçada e insuportável:

- Senhor, não é permitido consumir bebida alcoólica durante o vôo.

- Onde está escrito? Respondi com toda educação que pude usar.

- Senhor, o senhor recebeu nosso folheto que diz o que pode ou não ser levado ao vôo. Eu mesma lhe entreguei.

- Tudo bem... vou guardar essa merda.

- Infelizmente não pode viajar com garrafa.

- Você quer que eu te dê minha garrafa?

- Sim.

- Mas a garrafa é minha.

- Quando pousarmos lhe devolverei sua garrafa.

- E se você mamar minha birita toda?

- Senhor, eu não bebo em serviço.

- Se você não fosse tão feia eu te chamaria pra tomar uma comigo, quando saísse.

- Senhor, me dê a garrafa, por favor.

Entreguei a garrafa àquela criatura desprezível, mas pensei comigo que aquilo não ficaria assim. Não se toma a garrafa de ninguém, por mais errado que o sujeito esteja. Pra completar minha felicidade, a bateria do meu ipod havia acabado e em seguida minha luz queimou, chamei a puta da aeromoça e perguntei se havia um lugar pra eu me mudar.

- Não senhor. O vôo está lotado.

- Tá bom.

Quanto menos eu falo, xingo, reclamo ou praguejo, mais puto estou.

A meu lado havia um par de rapazes, disse um par porque era de fato, um par. Eu não sabia e perguntei pro rapaz ao lado:

- Amigo, você se incomodaria de mudar de lugar comigo? È que minha luz queimou e estou numa parte muito interessante desse livro.

- Desculpe mas não vou mudar de lugar contigo.

- Qual é o problema? Você nem está usando sua luz.

- Não e pronto. Respondeu o rapaz ao lado.

- Obrigado.

Fiquei então com meus pensamentos, o que não me agrada muito pois tenho o hábito de só pensar merda. Naquele momento o que eu pensava era ir até onde ficam os comissários pegar minha garrafa, derrubá-la num gole só, voltar a meu lugar e acertar a cabeça do viadinho que estava no corredor, com o caco que ficaria na minha mão cortar a garganta do outro, correr até o cockpit e render o piloto. Anunciaria no alto-falante:

- Boa noite senhores passageiros aqui quem fala é seu novo comandante, que nunca pilotou um avião, mas aprende fácil e no momento está tomando aula do piloto, que se esforça muito para falar pois sua garganta está sob a mira de uma arma. Tenham todos uma boa viagem.

Meu delírio passou de repente, o avião havia entrado numa forte turbulência, os avisos de emergência não paravam de piscar. Essa era minha chance de me vingar. Pulei por cima dos pederastas já gritando com as mãos na cabeça, completamente descontrolado, berrando num tom de pânico:

- Vai cair, essa merda vai cair e vamos todos morrer, fudeu, socorro!!!! E corria de um lado para outro, todos os passageiros me olhavam com cara de espanto, não por pensarem que estou louco, mas sim pela notícia catastrófica que eu lhes dava. A primeira a se levantar foi a mãe da praga que estava atrás de mim. Já foi gritando:

- Senhor, me ajude. Eu não quero morrer.

Daí pra frente foi uma pandemônio, todos gritando apavorados e os comissários tentando acalmar aquela gente em vão. Um homem se agarrou em uma das aeromoças, levantou sua saia e enfiou o dedo na sua boceta, a aeromoça era a vaca que havia me roubado a garrafa, o que fez lembrar da bendita, corri para os armários rapidamente, logo no primeiro que abri encontrei minha companheira, pus dentro da calça e foi exatamente quando a turbulência parou. Voltei para meu lugar, os namoradinhos não estavam lá. Fiquei ali vendo as pessoas se recompondo do susto e das gafes. Todos já estavam sentados quando do banheiro saem meus companheiros de viagem, amarrotados e avermelhados, as pessoas os olhavam e cochichavam entre si, acho que vi a mulher detrás tapar os olhos do filho. Eles se sentaram extremamente envergonhados, a aeromoça que foi bolinada não estava mais entre os passageiros, acho que se escondeu na cabine do piloto, devia estar um pouco constrangida.

Quando pensei em tomar um gole da minha birita, veio uma outra comissária me perguntar se eu estava bem. Disse que estava muito nervoso, a turbulência havia alterado meu sistema nervoso e eu poderia até ter uma crise. Ele me ofereceu um calmante, eu aceitei, pus o calmante embaixo da língua e dei um belo gole do meu conhaque, daí pra frente o vôo seguiu extremamente tranqüilo.

Adalberto Ferreira
Enviado por Adalberto Ferreira em 01/05/2010
Código do texto: T2230915
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