O MENINO E O MAR
Os primeiros raios de sol saudavam os habitantes daquela praia, onde a simplicidade e a boa convivência imperava. Pedro, de pé, tendo a sua cadela Bicuda ao seu lado, acenava para o pai, que distante desaparecia no horizonte na sua jangada. Começava assim mais um dia na vida daquele garoto de oito anos de idade. Permanecia toda a manhã brincando com os búzios trazidos pelo mar; pulava sobre as ondas de areia esculpidas pelo vento nas brancas dunas; subia nos coqueiros para tentar inutilmente ver a jangada do pai em alto mar; corria feliz, com as agonizantes ondas que morriam ao tocarem os seus pés. Apesar da mãe ter morrido quando tinha apenas três anos de idade, ninguém poderia dizer que era uma criança infeliz. Na vizinhança não havia outras crianças da sua idade, entretanto, Bicuda tentava, em parte, suprir esta privação. Acompanhava-o nas corridas, enroscava-se em suas pernas, rolava com ele sobre as dunas, deitava-se ao seu lado, enquanto o contemplava feliz.
Depois de tanto tempo exposto a um sol abrasador, o corpo do menino da praia fatalmente cedera à sensação de fome. Para saciá-la, retornava à sua palhoça e no fogão de lenha encontrava feijão cozido e peixe frito, que Gabriel, o seu pai, preparara antes de partir para a pescaria. Mesmo frio, acrescentava um pouco de farinha de mandioca sobre o feijão e comia como se fosse a melhor comida existente na face da terra. Bicuda, que o diga: além de comer o mesmo que ele, ainda devorava as espinhas mais graúdas que haviam sobrado.
No período da tarde, segurando um balaio, Pedro caminhava em direção à praia. Seu olhar procurava ao longe, em alto mar, o surgimento da vela da jangada que trazia o seu admirado pai, seu único ídolo. Um afetuoso abraço marcava o reencontro, sob o olhar atento de Bicuda, que alegremente balançava o seu rabo como forma de saudação à distância, já que inexplicavelmente detestava entrar na água. O peixe miúdo era colocado no balaio, enquanto que grande parte do graúdo era levado para ser vendido na cidade grande. Era um ritual que se repetia quase todos os dias.
Aos domingos, cuja pesca nem sempre era obrigatória, Pedro, em companhia do pai e de outros pescadores, caminhava mais de dez quilômetros até um pequeno vilarejo, para assistir a uma missa. Depois, enquanto ele tomava um refrigerante, Gabriel ingeria alguns goles de cachaça. Voltavam felizes, sorrindo e brincando à beira-mar. Pisavam sobre o solo úmido, passarela preparada com esmero pelo mar para lhes proporcionar uma confortável caminhada. Era o mar generoso, o mesmo que lhes ofertava o alimento diário; que lhes oferecia o refrescante banho; e, que lhes embalava, com o som das suas ondas, nas noites de melífluos sonhos.
O destino, às vezes, não se sabe o porquê, procura fazer experimentos com seres humanos, ignorando as conseqüências. E foi num sábado. Tudo parecia ser um dia como outro qualquer. A despedida entre pai e filho também não foi diferente. Pedro vira, como nos outros dias, a jangada afastar-se lentamente, levando consigo Gabriel e os outros pescadores. Aos seus pequenos olhos amendoados parecia que a jangada gradativamente diminuía de tamanho.
Depois de algumas horas, enquanto brincava na praia, estranhamente, um fato não muito raro lhe chamou a atenção: passava, montado num jumento, uma pequena criança acompanhada da sua mãe, que o acariciava. Aquele acontecimento despertou em Pedro uma sensação fora do comum, deixando-o com inveja. Sim, faltava-lhe o amor materno, um sentimento indispensável para substituir a solidão e complementar a felicidade da sua palhoça.
O dia estava próximo a findar. Com o seu balaio vazio, o pequeno menino seguia em direção ao mar, para o momento tão esperado. Seus olhos pareciam duas lanternas que procuravam incessantemente uma vela ou qualquer outro objeto que prenunciasse, à distância, a jangada. Os moradores das outras palhoças silenciosamente chegaram ansiosos com os olhos também voltados para o mar. A tarde tinha pressa e parecia não querer esperar pelos homens do mar, retirando as suas luminárias. Aos poucos, a noite foi melancolicamente chegando com o seu véu negro adornado com algumas tímidas estrelas. A demora era lancinante. A apreensão aumentava mais e mais. Um inevitável presságio apoderou-se de todos, enchendo-lhes de tormento. Enfim, todos estavam certos de que aqueles quatro pescadores haviam tido um destino fatal.
As pessoas afastaram-se da praia, amparando-se umas às outras, dominadas por um árduo sofrimento. O pranto fazia-se presente. Pedro, indiferente a tudo, permanecia de pé, insistentemente tentando ver ao longe a jangada. A lua percebendo tamanha obstinação, com o intuito de auxiliá-lo, em vão, proporcionava uma intensa claridade.
Vencido pelo cansaço, ele sentou-se na areia da praia. Enfraqueceram-se as esperanças. Suas lágrimas escorriam pela face, caindo sobre o balaio, que não largava. Bicuda, ao seu lado, lançava-lhe um olhar de tristeza, parecendo entender todo drama do momento. Alta noite, o corpo do pequeno órfão encontrava-se adormecido sobre as brancas areias da praia. Dormira e sonhara. Sonhara que uma jangada dourada, trazida pelo impulso do sopro de muitos anjos sobre a vela, aproximava-se da praia. O mar brilhava sob o reflexo da luz da lua e das estrelas. Ele via o seu pai descendo da jangada, segurando a mão de uma bela mulher de longos cabelos escuros, com vestes brancas e um largo sorriso angelical. Era a sua mãe. Reconhecera, pois a havia visto numa fotografia. Vinham em sua direção com os braços abertos. Ele corria ao encontro deles, não se deixando perturbar com a oposição das fortes ondas que tentavam impedir-lhe. Abraçavam-se e beijavam-se. Percebia que seu corpo não mais sentia o choque das ondas e que flutuava levemente sobre a água, ao som de uma melodia suave e distante.
Quando o dia amanheceu, os moradores, que permaneceram em vigília nas suas palhoças, fazendo orações para Nossa Senhora dos Navegantes, caminharam em direção ao mar para ofertarem flores aos pescadores mortos. Viram a cadela Bicuda, ao lado do balaio, emitindo um triste latido, quase inaudível, mirando a imensidão do mar. Ninguém, àquela altura, tinha dúvida de que Pedro fora levado pelos seus pais.