O CONTO DO VIGÁRIO

Dizem os mais antigos, que as histórias daquele homem, são verdades, são mentiras. Dizem que aquele senhor, na busca da felicidade alheia, maquiava os fatos deixando transparecer só o lado bom das coisas. Dizem que ele, ganhava seu dia, roubando sorrisos, daqueles que escutavam suas histórias. Dizem que passava horas sentado ao portão de sua casa, rodeado por crianças, que o admiravam e sabiam que a qualquer momento, um novo fato estaria sendo analisado por ele.

Ninguém sabe ao certo de onde ele veio, nem para onde ele vai. Mas muitos tiveram a possibilidade de passar momentos felizes ao seu lado. Seus cabelos grisalhos e sua pele queimada do sol, eram marcas que a vida deixara. Suas mãos apresentavam calosidades, e seus pés sempre descalços, tinham fissuras tão profundas, que em vários dias suas pegadas eram marcadas com sangue.

Seu rosto meigo era repleto de rugas, a quantidade era tão grande, que muitas vezes era difícil saber se ele estava com seus olhos abertos ou fechados. Sua pele era flácida, o que tornava a aparência dele muito frágil. Sua voz era rouca e extremamente compassada, uma pausa entre suas palavras era freqüente. Tudo naquele homem era tão simpático, que as crianças paravam e aguardavam o desfecho das histórias, sem ele exigir nada em troca.

Através daquela voz, histórias tanto do folclore, quanto do cotidiano eram esclarecidas. No entanto, nas histórias sempre existia um pitaco daquele homem, nunca uma imagem negativa era transmitida, somente felicidade, alegria e compaixão. Sacis, curupiras, lobisomens, vampiros e mula sem cabeça, ganharam uma forma tão especial, que as crianças chegavam a sonhar em conhecer esses personagens.

Aquele homem lidava com os acontecimentos do dia a dia, sempre passando, mesmo na tragédia alguma coisa bonita. Ele era capaz de falar de uma guerra, deixando de lado as mortes e lembrando das flores. Para ele o que valia era ver o sorriso estampado nos lábios das crianças, que já tinham problemas demais em casa, devido a classe social a qual pertenciam.

Mas qual seria a origem desse homem, onde ele aprendera a lidar de forma tão carinhosa com os pequeninos. Dizem que uma de suas histórias, era na verdade, a história de sua vida. Ele jamais confirmara, mas a emoção que tomava conta de sua face, deixava transparecer o que na verdade acontecera com ele. Qual o motivo de passar, dia após dia, encantando as crianças.

Ele contava que em uma pequenina cidade do sertão do Brasil, existia um vigário, que cansado de observar o sofrimento das pessoas que freqüentavam sua missa, resolveu dar a elas momentos de felicidade. A seca e o sol escaldante tornavam a vida de todos moradores muito deprimente. A miséria, a fome, a falta de luz, de água e acima de tudo, a humildade do povo, fez com que aquele vigário, mesmo que por alguns instantes, mostrasse o quão, a vida pode ser bela.

Mas como ele poderia, usar o tempo da missa para alegrar aquele povo tão sofrido. Foi então, que ele criou uma escala, onde missa sim, missa não, ele deixaria de lado o evangelho e colocaria a disposição dos fiéis, o altar. A intenção era que cada um viesse e contasse como poderia ajudar aquela cidade a livrar-se de tanto sofrimento. Por ali passaram muitas experiências de vida sofrida, mas também contemplaram muitos momentos de alegria.

Eram histórias de pessoas que já partiram ou que acabaram de nascer, dando seus primeiros passos e cometendo suas travessuras, tudo dito pelos próprios fiéis. Também por aquele altar, passaram projetos de como estabilizar o problema de água da região e o quanto seria bom se o governo levasse até eles a energia elétrica. Houveram projetos de como as famílias poderiam estar se ajudando e repartindo o pouco que produziam. Dessa forma, criou-se um verdadeiro sentimento de comunidade, onde todos unidos poderiam driblar o clima e a ausência de governo, que juntos os lançavam a própria sorte.

No entanto, com o passar dos tempos, os fiéis deixaram de freqüentar os dias de missa, e começaram a lotar a igreja nos dias das Assembléias Comunitárias, esse foi o nome dado aos dias sem missa. O povo percebia que era mais vantajoso exporem seus problemas e suas propostas de melhora, do que assistirem e contemplarem a palavra de Deus. Contudo, um Cardeal em sua visita periódica a cidade, notou o que estava acontecendo, e exigiu do vigário, que as missas voltassem a existir todos os dias, extinguindo a Assembléia Comunitária. Para o Cardeal, aquele local era exclusivo à palavra de Deus e não a movimentos comunistas.

O não cumprimento das ordens do Cardeal, levou ao iminente afastamento do vigário, que somente queria ver seus fiéis mais felizes e animados com a possibilidade de melhora em suas vidas. O sentimento que tomara conta do vigário no momento de seu afastamento, o desolou. Ele jamais imaginara que sua vontade de auxiliar o povo o faria perder a batina e o direito de pregar a palavra do senhor. Dias após seu afastamento ele desapareceu e jamais foi visto naquela região.

Porém, todos os projetos que foram iniciados naquelas Assembléias Comunitárias hoje estão concluídos. A luz chegou até a cidade, poços artesianos foram escavados e a miséria já não é tão devastadora. O povo mal se lembra como tudo começou, mas agora vislumbra aquela cidade, que é um pequeno oásis em meio ao sertão. Hoje em dia, mesmo a distância, o vigário também se sente muito feliz, por ter dado essa oportunidade aquele povo.

Muitos dizem que o vigário se transformou numa pessoa fria, mas com certeza ele continua levando, em pequenas quantidades, aquela mesma alegria em que os tempos da Assembléia Comunitária pode proporcionar. O passar dos anos o deixou muito frágil e hoje ele, assim como eu, apenas conta histórias divertidas a vocês meus pequeninos.