MENDIGO EM LUA DE MEL
Quando rondava a Praça em busca de um abrigo, algo lhe aconteceu. Estava cansado, com fome, com sede; faltava-lhe calor humano. Rondou um pouco mais e escolheu um banco menos sujo para passar a noite. Seria mais uma noite triste se...
Fora expulso da Catedral: “Mendigo nenhum pode dormir aqui”. – dissera-lhe o sacristão. Todo sujo resolve mergulhar na piscina e tomar um belo banho – o Chafariz seria uma boa companhia para passar a hora – mas o guarda-praça impediu-o. Fora sua sorte. A noite fresca podia trazer-lhe alguma doença, ou um resfriado.
Deu mais uma volta na praça e disfarçadamente lavou os pés e o rosto nas águas da piscina, tomou um pouco de água fresca do Chafariz e encaminhou-se para o banco que escolhera para passar a noite.
Sentou-se e começou a observar.
Longe dali, do outro lado da Praça, passava uma senhora com uma criança. Esta toda corada, de lindas roupas e sorriso largo. Filosofou: “Como a vida é traiçoeira”.
Continuou a sondar. Na Catedral, no centro da cidade, ricas senhoras chegavam em carros do ano, de marcas internacionais, de última geração, não conhecia alguns, por mais observador que era. Quase meia hora ali sentado. Cada minuto um carro a mais. Senhores pomposos cumprimentavam as damas orgulhosamente, orgulhosas por estarem ali fazendo parte da alta sociedade. Por fim um luxuoso carro, tipo carruagem, pára à porta da Catedral. Era a noiva.
Ficou todo orgulhoso por assistir a união, embora que de fora, de um casal que se amavam. Sua alegria subiu às nuvens, mas logo a alegria sumiu. Lembrou de sua miséria.
Fotógrafos se aproximavam. Câmeras foram acesas – o relógio marcava 18 horas e 30 minutos – todos levantaram os olhos para o ponto culminante: a noiva.
Voltou ao passado, sua vida. Oh! Seu eterno amor! Lembranças dolorosas de um amor que perdera depois de três anos de luta. Filosofou outra vez.
Lembranças de momentos felizes que passaram. Ele pobre, mas trabalhador. Quando a conheceu, ela cursava o colegial e ele o segundo ano de Direito. Trabalhava em escritório contábil e ela de secretária num consultório médico. Viviam felizes. Duas vezes por mês comiam pizza, alguns filmes no cinema e outros em casa. Época de prova: caderno e livros até alta madrugada – notas ótimas.
Ele terceiro ano de Direito. Ela o primeiro ano de Direito.
Último ano de Direito, ela o segundo. Alegria. Agora auxiliava um escritório de advocacia. Ela secretariava um escritório de um fazendeiro.
Sinos badalavam a hora: dezoito horas e quarenta e cinco minutos. Sinos marcavam o momento.
Logo mais os pombinhos sairiam.
Sua vida miserável de andante, de um maldito da vida, tudo, tudo mesmo por causa do fogo que se chama amor. Perdera o último exame do ano quando recebera um telefonema de anúncio de término de namoro. Tristeza, choro, falta de controle... e, agora, andante da vida.
Agora, de doutor a mendigo. Decepção total!
Com baile marcado para vinte de dezembro – “Vinte de dezembro: pegou no caminho e tornou andante” – bailante da vida.
Olhou a alta torre: o relógio marcava dezenove horas e alguns minutos. Não se conteve. Aproximou-se da frontal da Catedral. O padre dizia as últimas palavras, imaginou ser ele o noivo: fugiu a mente. Buscou no pensamento a que foi, ou melhor, a sua amada. Quase quinhentos quilômetros os separavam. Ele, pelos caminhos da vida, cruzava o interior e ela na capital; talvez casada e mãe de filhos. Rica, pois lhe arrumara um bom marido – a família assim queria.
Um homem todo de terno fino estaciona o luxuoso carro e aguarda a chegada do casal.
Os olhares voltam-se para ele: barbas a fazer, sapatos rotos e encardidos pelo tempo, calça e camisa que não se distinguiam as cores, óculos de lentes embaçadas, e – ninguém esperava – um pensamento de dar aos noivos o seu voto de felicidades.
Os cumprimentos de felicidade já estavam na saída da Catedral. Todos fazendo o seu dever. Ele também queria desejar felicidades ao jovem casal.
O jovem casal desce as escadas ladeados por cavalheiros e damas de alto nível. O mendigo aproxima-se.
Atravessa a rua que os separa. Caminha lentamente.
Um zum-zum-zum toma conta de todos. Ninguém move uma palavra para detê-lo. De cabeça baixa, humildemente dirige-se ao jovem casal.
Todos imóveis. Ajoelha-se frente aos noivos como se fossem reis, não encontra coragem para erguer os olhos e falar olho no olho.
Tenta.
Movimenta os lábios e nada é ouvido. Busca em si o seu último desejo que não fora cumprido: num rápido segundo relembra o golpe, sua vida, seu futuro... Traição!
Tenta e consegue.
- Desejo-lhes uma vida de felicidades. Felicidades mil. Deus os abençoe.
Beija os pés da noiva, ergue-se de soslaio para encontrar os olhos do casal e... é ouvido:
- Meu eterno amor!
Todos tentaram segurar a noiva. Foi em vão. A loucura tomou conta dela. Ajoelhou-se, após dizer estas palavras, e beijou o mendigo, abraçando-o fortemente.
- Amor, o que é isso? – desespera-se o noivo.
- Nunca amei você! Amo esse rapaz! – disse aos gritos.
- Como?
- Minha família te ama!
Os olhares espantosos seguiram o noivo que se atirou nos braços da mãe. No outro dia, as manchetes dos jornais diziam: “Mendigo passa a noite em lua-de-mel”, “Mendigo em hotel cinco estrelas”, e, por nada menos, dois funerais: mãe da noiva sofre ataque cardíaco e morre, noivo suicida-se.
Mendigo reconstitui sua felicidade.