O Suicida

Pedro andava por uma rua deserta na madrugada de uma grande cidade, com uma mão em seu rosto em uma tentativa inútil de conter as lagrimas. Em sua outra mão estava amassada a gravata, seu estado era deprimente, e para completar um carro em alta velocidade passou em uma poça e acabara por encharcar o coitado.

-Filho da p***, olhe por onde anda.

Já era tarde, o maldito motorista já estava bem longe para escutar qualquer infâmia que fosse liberta de sua boca. Pela rua passava poucos carros, o que seria bom, assim ninguém o impediria de fazer o que estava planejando.

Dizem que o suicídio é o caminho mais fácil para os covardes, mas o que isso importava agora para Pedro? Ele não tinha mais NADA, tudo o que ele lutou com garra e orgulho foi deixado para trás. Dinheiro, casa, esperança nada mais importava. O que realmente vale a pena não é comprado com dinheiro. A ponte estava logo à frente, só faltavam alguns passos.

Quando ele chegou à ponte segurou em suas barras de proteção sentindo o metal gelado em suas mãos e o vento bater como água em seu rosto. Ele olhou para baixo, era realmente muito alto, era o que estava precisando. A primeira perna que passou para o outro lado foi à direita, aquela antiga superstição de que faz mal acordar com o pé esquerdo, por fim passou o outro pé e ambos se equilibraram no pequeno espaço que o separavam do grande salto, neste momento Pedro parou e pensou.

A vida devia ter algum sentido, mas qual? Um Deus? Pedro acreditava em Deus, e entendia que nesse momento ele devia estar cuidando de outras pessoas, deve ser realmente difícil cuidar simultaneamente de seis bilhões e meio em todo mundo. Mas porque se esquecer dele agora? Só é Deus virar as costas que o Diabo tira tudo o que você ama?

-Me diga que não me abandonou. Me de um motivo para não me matar, só um sinal.

As palavras como seu choro foram abafados pelo vento forte da madrugada. Pedro chorou, chorou mais, e ainda mais um pouco, as lagrimas por fim secaram, e seu coração palpitava solitário em seu peito, parecia esta se entregando também, e por isso ele estava sóbrio, sentia cada sentido infinitamente aguçado, como se a adrenalina fosse a ultima coisa que iria sentir antes de morrer. Alguém se aproximava da ponte.

Um bêbado na base dos cinqüenta anos se aproximou do parapeito e olhou longamente para Pedro, depois se virou para o horizonte e bebeu mais um gole de sua bebida.

-Sabe. eu já estive em seu lugar mesmo sabendo que não iria adiantar de nada.

Pedro nada respondeu.

-Às vezes parece que esta é única saída, mas meu amigo eu lhe digo, a bebida é bem melhor que a morte rápida, pois ela te mata aos poucos e ainda lhe permite pensar se realmente vale à pena a morte. Amigo me diga qual a causa deste suicídio?

-Perdi tudo o que tinha não me resta mais nada.

O velho sorriu e o olhou sorrindo.

-Mas vejo que ainda tem a roupa do corpo, e um coração que bate em seu peito filho, diga-me sua historia.

-Eu tinha tudo o que queria dinheiro, carro novo... Uma bela esposa e uma linda filha, tudo para mim ocorria bem, ate que um dia descobrimos que nossa filha estava em um estado grave de saúde, para mantermos ela em um hospital vendemos tudo o que tínhamos, mas chegou a um ponto q teríamos que vender a casa, minha esposa não aquentava viver sem as suas regalias e me largou a um mês atrás, hoje eu recebi a noticia de minha demissão por causa dos dias que fiquei sem trabalhar e quando cheguei ao hospital descobri que minha filha tinha falecido por causa de uma parada cardíaca..então me diga porque não devo me matar?

O velho ficou em silencio, um longo tempo olhando a garrafa e por fim soltou-a e observou se espatifar no chão, depois olhou para o homem.

- viu o que aconteceu aquela garrafa? O que acha que aconteceria se colasse os seus pedaços?

-Não iria conseguir montá-la

-E se eu conseguisse?

-Ainda assim ficaria cheia de remendos.

-Exatamente. Vou te contar uma coisa, eu já tive um filho, ele era o maior desgosto da minha vida, mas um dia eu o vi morrer em meus braços, e um tempo depois eu estava ai em seu lugar. Por mais que tentasse o odiar, eu não conseguia, ele era meu sangue, meu semelhante, ele era tudo o que eu tinha e o vi morrer em meus braços, minha vida nunca mais foi à mesma, eu me sinto realmente em pedaços, mas espero um novo dia, um dia em que essa dor simplesmente sumira. Mas o grande motivo de não ter me matado foi conta de bêbado desgraçado que se aproximou e me ofereceu uma pouco de sua bebida e disse: “sorria Deus esta olhando por você.”

Pedro refletiu a vida do homem e disse somente

-Eu lamento.

-Não lamenta nada, você nem me conhece porque sentiria pena de mim?

O homem tinha lagrimas discretas nos olhos, e Pedro permanecia impassível, mas suas mãos seguravam fortemente as barras.

- Se sabia que não sentiria pena porque me contou esta historia?

- Porque meu filho, eu irei te oferecer esse gole de bebida.

Pedro olhou para a garrafa espatifada no chão e novamente para ele, o velho sorriu.

-Não é essa a bebida que irei lhe oferecer e sim a sorte, eu gostaria de ter me jogado aquele dia, mas ao invés disto eu me tornei um bêbado nas horas vagas. Você pediu um sinal, Pediu que Deus dissesse que não o abandonou, então pule.

- O que?

-Em toda minha vida, todas as pessoas que ouvi contarem um caso de quase morte falaram que isto era como nascer de novo, como se toda sua vida passe diante seus olhos em uma fração de segundo e você entendesse o porquê de todas as coisas que aconteceram. Você disse que não tinha mais nada, porque não tentar a sorte, quem sabe não acorda em uma vida melhor?

-Mas...

O Velho se aproximou.

-Sorria filho, Deus esta olhando por você.

Pedro logo após ouvir estas palavras apenas sentiu as mãos quentes do velho em suas costas e uma rápida paisagem antes de fechar os olhos para a morte.

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Luzes brilharam em sua face, e Pedro imaginou o quanto o céu era lindo, não sentia dor, nem sede e nem fome, uma face apareceu em sua visão turva, seria Deus?

-Bem vindo de volta filho.

Ele conhecia aquela voz.

-Você pulou depois de mim?

-Não, apesar de ser uma experiência tentadora aquela pequena sensação de liberdade antes da morte.

-Então o que você fez?

- Eu te salvei.

-Você é Deus?

Pedro ouviu uma grande risada.

- Filho. Sou apenas um medico... E bêbado nas horas vagas. Bem vindo a uma nova vida.

-Porque me empurrou então?

-Porque loucos como você já tentaram se matar varias vezes de uma ponte que não consegue matar ninguém, mas ela realmente da uma idéia de ser alta vista de cima. Relaxe e durma faremos alguns exames mais tarde.

Pedro sorriu, havia uma imagem de Cristo em cima do seu leito, ele parecia o olhar com piedade. Pedro sorriu porque foi empurrado por um bêbado que salvou a sua vida. Pedro sorriu porque por um breve momento teve a ilusão de esta perto da sua filha, e para quem ama um momento é tudo, ele agora estava pronto para uma nova vida porque viu toda ela passar diante dos seus olhos e descobriu que estava morto há muito tempo. Sua filha já estava condenada e era a única coisa que ainda fazia seu coração bater. Ele já estava morto, nunca foi realmente feliz, ele não amava mais a sua mulher, o luxo não o saciava, ele realmente nunca ligou para isso. Deus o olhava com piedade, porque ele acordara de um pesadelo para uma nova vida.

Jonasdeth Santos Oliveira
Enviado por Jonasdeth Santos Oliveira em 24/04/2010
Reeditado em 15/09/2010
Código do texto: T2217768
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