As regras das mulheres - não vale a pena fingir que elas dão por ela

As regras das mulheres

Não vale a pena fingir, que elas dão por ela

Sabes…eu acho que a natureza das mulheres é como a natureza da luz que é corpuscular nuns fenómenos e ondulatória noutros e como elas são a nossa luz …ora nos arrancam bocados como a luz arranca electrões dum átomo, ora ondulando nos aquecem e nos iluminam …por exemplo:

Nunca sei se agradeça à, vamos-lhe chamar Heloísa, a visão nova duma história para mim antiga ou se a censure pela perda da visão antiga duma história para ela nova como também podia ser considerada para mim porque me lembro dela (da história, claro) como se fosse hoje. Devo dizer-te que costumo considerar a Heloísa como a minha mãe adoptiva apesar de ela quase poder ser minha neta, por estar sempre a aconselhar-me e a ralhar e apesar disso nunca nos zangarmos. Desta mãe sei tudo, incluída a vida erótico sentimental até ao pormenor fisiológico, o que permite aprender coisas que as mães nunca nos ensinariam; aliás as mães dos homens do meu tempo não tinham vida sexual tendo todos nós, mesmo os ateus, nascido por obra e graça do divino Espírito Santo. Não, nunca houve nada entre nós porque quando a conheci ela cheirava-me a leite e acho que ela já me considerava fora de prazo. Está bem vou-te contar tal e qual a história se passou e lha contei.

O local é o restaurante Transmontano que estava aberto à noite até à hora de fechar e a hora de fechar era a de os clientes saírem; serviam à noite com a lista do dia, tinham um numeroso grupo de clientes certos com quem eu me dava que só não apareciam ao sábado porque diziam que era a noite dos amadores e um empregado fabuloso, o Sr. Veloso que além de fiar a quem estivesse curto de guita ainda emprestava alguma para despesas inesperadas. Depois das duas a companhia para a ceia e a conversa era quase uma certeza mas uma noite deu-me a fome mais cedo e não me importei de ser o primeiro a chegar. Subi a escada e sentei-me numa mesa de dois lugares, encostada à parede, depois de me assegurar com um gesto que era da zona que o Veloso servia; com outro gesto pedi-lhe o costume que ele sabia serem lulinhas grelhadas e uma cervejola; ele mostrou que tinha entendido e eu fiquei à espera, com atenção ao cimo da escada, que mais alguém aparecesse.

Encostada à mesma parede e quase à minha estava outra mesa de dois lugares que foi, pouco depois de me acomodar na cadeira, ocupada por um casal, talvez trintão, que já vinha da escada a discutir e se sentou, sem parar a discussão, ele de costas para mim e ela de frente; era quase como se estivesse sentada na minha mesa porque ele se sumia na cadeira e das palavras que proferiam não me escapava uma, embora não falassem alto. Não conseguindo evitar ouvir, tentava evitar que parecesse que via, sobretudo não cruzando o olhar com a mulher que o tinha em baixo, acabrunhada. Apertei os sapatos, tirei a carteira do bolso, tirei papéis da carteira e tornei a guardá-los, fiz por duas vezes sinal ao Veloso para despachar as lulas ou ao menos trazer a cerveja mas ele não descolava das tábuas por perceber mesmo de longe que o casal vinha mais para discutir do que para comer e só queria deslocar-se uma vez para me servir e recolher o pedido dos outros. Finalmente a comida chegou um segundo depois do Veloso ter pousado a lista na mesa do casal e no segundo imediato já estava a recolher à box com a encomenda de dois pregos e dois finos e eu passei a poder manter os olhos na comida sem disfarces complementares enquanto a desconversa deles prosseguia.

Para entender a minha atrapalhação está agora na altura de resumir o diálogo que traduzia um enredo simples: ela tinha ido, numa ausência dele, a uma festa com muitos convivas em casa dum casal amigo de ambos, onde tinha dito que não iria e, segundo ele, saíra acompanhada dum Fernando com quem ele já embirrava antes e ficara em casa dele só regressando a penates às sete da manhã; segundo ela, tinha ido à festa por achar que ele até fazia gosto nisso, também nem ia à bola com o tal Fernando por pura cumplicidade conjugal, saíra pouco depois da meia-noite sem reparar sequer em quem ficava ou já tinha saído, apanhara um táxi na praça em frente e … casa. A meio das lulas um lance retórico agudizou o drama: mas diz-me só quem foi o porco que te contou essa história tão absurda, não interessa, o que interessa é que és uma vaca e vais-mas pagar, só pode ser um gajo que não me grama mas também não te grama a ti, se não grama, nisto foi meu amigo, fiquei a saber a puta que tinha em casa, mas diz-me só quem te contou e esclarecemos isso frente a frente, está tudo esclarecido até os tagatés que o gajo passou a noite a fazer-te e tu a pores-te a jeito, tu sabes muito bem que eu gosto de ti que chegue para não te fazer uma coisa dessas, mas diz-me só quem te contou… Num relance vi as lágrimas correrem-lhe pela cara abaixo, a mão dela tentar afagar a dele e ser sacudida; bebi uns golinhos de cerveja para disfarçar o levantar da cabeça e mergulhei de novo nas lulas, envergonhado por estar a ouvir, aflito pelas lágrimas da mulher. Nisto o gajo, sempre seguido pelo olhar dela, levanta-se vai para a escada e desaparece na descida. Mal desapareceu ela olhou para mim já sem lágrimas e tal e qual como quem retoma uma conversa interrompida, diz-me com o ar mais coloquial do mundo: “Não sei como há gente desta … o pior é que não faço ideia de quem lhe contou isto … mas hei-de saber e fodo-lhe os cornos ai isso fodo”. Fiquei como quem leva um murro no estômago e não encontrei nada mais inteligente para responder, e tinha de responder porque o olhar dela o exigia, do que a estúpida frase “Ele há gente p´ra tudo…” e mal a disse pareceu-me ver uma sombra anunciar a subida de alguém; troquei um olhar de aviso, ela entendeu e já chorava outra vez quando o gajo acabou de subir a escada e se sentou. A conversa pareceu ter voltado ao princípio mas não a segui mais; comi a última lula e bebi o resto da cerveja, fiz sinal ao Veloso de que pagava amanhã e saí. Ninguém conhecido tinha chegado.E eu saí diferente do que tinha entrado.

A que propósito contei esta história à Heloísa? Também te conto e como quem se confessa: se calhar para espalhar a dor de corno, mas o que tem a ver uma coisa com a outra é mais difícil de explicar. Como sabes eu sempre achei que as mulheres são o sal da Terra e muito fiz para cair nas boas graças, digamos assim, de uma ou outra que parecesse disposta a pelo menos não me dizer que não. Desses esforços o mais meritório foi talvez o de tentar conhecer as regras delas, as comportamentais, claro, que muita gente diz que estão ligadas às outras mas eu penso hoje que só existem mesmo estas outras ou então que as primeiras obedecem ao princípio da incerteza do Heisenberg ou seja quanto mais a gente se aproxima menos as vê, às regras, bem entendido. A esperança que se me foi desvanecendo foi a de que se conhecesse pelo menos algumas das ditas regras podia potenciar as minhas hipóteses de sucesso, pois nunca quis fazer moral com esses conhecimentos que, aliás, nunca vim a adquirir.

A dada altura estava numa dessas raras situações de boas graças, gostava imenso dela (da que mas concedia está bem de ver), ela era tenra, muito meiguinha e delicada comigo e era-me praticamente fiel, tirando as vezes que tinha que sair com o namorado porque tinha que ser, aquelas em que ia à terra onde tinha sempre um ou outro biscate no activo ou quando os biscates vinham ao Porto e fora disso em tão poucas ocasiões que os dedos das mãos davam para as contar, e se não davam não reparei, o que vem a dar no mesmo. E foi numa noite em que ela estava p´ra terra que eu contei a história à Heloísa. Sem conseguir dormir com as comichões dos cornos a crescer fui buscá-la e levei-a a cear já tarde a uma casa de fado na ribeira de Gaia sem respeito, que nenhum de nós tinha, pelas convenções sociais (um tipo já mais do que maduro e uma quase adolescente àquela hora da noite em todo o lado é só olhares críticos ou invejosos que ainda são mais chatos) e no ambiente de queixumes que o fado cria, e eu precisava, sem coragem para exprimir a que se devia o meu visível mal-estar, inspirei-me num casal que discutia e disse-lhe que me fazia lembrar a noite do Transmontano quando o que me incomodava era a transmontana que estava para lá do sol nascente a … não interessa! E devo ter contado a história com ar de censura porque a Heloísa com aparente irritação me perguntou:

- E que é que concluíste?

- As mulheres, a fingir são o máximo… (nem reparei que estava a falar com uma)

- Os homens não fingem queres ver… mas ela fingia o quê?

- As lágrimas … pararam ao falar comigo

- Também não eram p´ra ti … eram p´ra mostrar ao gajo que gostava dele … de ti não

- Ias mesmo acreditar que ela dormiu sozinha naquela noite?

- E isso que interessa? Ela disse-te que não dormiu?

- Dizer não disse mas a indignação contra o gajo que contou…

- Se contassem a uma namorada tua que deste umas quecas com outra indignavas-te mais se fosse verdade ou mentira?

- Indignava-me mais se fosse mentira mas ficava mais furioso se fosse verdade

Ela não relevou a diferença: Vês? Vês?

- Achas mesmo que ela não estava a fingir e que não deu mesmo pantufada nenhuma?

- Vamos por partes; se calhar deu mas se deu tornou a tirar e o gajo que contou não tinha nada com isso e merecia que lhe partissem um ossinho; a fingir não estava porque ninguém vai chorar por um gajo que não lhe interessa nem se chateia com o que lhe vão contar. A fingir se calhar estava o gajo dela, a fingir que se ia zangar só para ela dizer o que ele queria ouvir e ela disse-lhe; não lhe ia dizer olha fui dar uma porque o gajo era jeitoso ou por não ter mais nada para fazer e estar sem sono ou porque me deu uma comichão e arranjei quem ma coçasse mas quero ficar contigo que é de quem gosto; os homens não percebem isso e dá sempre mau resultado. Quem experimentou lixou-se…

- Bem, seria nessa base que o Pitigrilli dizia que a recordação do pecado não resiste a uma lavagem vaginal, disse eu para imitar o cinismo suave do autor

- Vê-se que é escritor doutros tempos, se fosse mais moderno acrescentava-lhe um clister e um gargarejo… mas eu não acabei. O que eu acho espantoso nesta história é que não tires a única conclusão evidente daquilo que contaste…

- Então?

- Quem de certeza esteve a fingir o tempo todo foste tu, até o confessas … e ela deu por ela… nós damos sempre …não vale a pena…

Na altura fiquei abananado mas sosseguei… talvez a minha quase fiel amada… mas por outro lado… Hoje em dia já nem sei bem o que pensar, mas pelo sim pelo não nunca mais conto a ninguém aquela história, não achas melhor?