Não raro sempre acabamos por nos encontrar, afinal trabalhamos no mesmo ramo e atendemos os mesmos clientes. E foi num desses encontros que Pedro revelou-me sua, digamos, trajetória matrimonial.
     Pedro, pigarreou, impostou a voz (já reparou que todo sujeito metido a orador, tem dessas marmotas?) e começou falando do seu primeiro casamento.
     Por volta de seus vinte anos, morando numa localidade por nome de Bananal, município de São Luis do Quitunde em Alagoas, ele conheceu Adriana, filha de Antonio Retratista, um fotógrafo da região, a mulher parecia o cão. Brava que era a gota, cheia de manias e ciúmes, se metendo em tudo, não deixava Pedro bater seu “racha”, tomar um fogo com os amigos, nada fora das regras dela, pois ela ia buscá-lo seja onde fosse. E Pedro passou a ser visto como frouxo, a servir de chacota, mas gostava da danada e foi agüentando, agüentando, até que um dia ela se sentindo traída (aliás, toda mulher não traída acha que está sendo; o inverso é verdadeiro) quis cortar toda a roupa de Pedro. Detalhe: com ele dentro! Pedro disparou um “Cê é doida, doida!” e caiu fora! E fora mesmo, até hoje nunca voltou ao pitoresco Bananal.
     Dessa fuga, rendeu-lhe a profissão de Representante Comercial que, por conseqüência, seu segundo casamento.
     Viagem vai, viagem vem, e Pedro acabou conhecendo Jacira. Ô, mulher bonita da peste, dizia Pedro. Roubei-a de um prefeito, um cabra fraco, fraco, acho que até foi ele que estragou a mulher. Mal empregado um material daquele: umas ancas, cinturinha de pilão, a boca desenhada, o cabelo liso no Neutrox, um cheiro de Alfazema... Mas naquela hora, na hora da “onça beber água”, dava conta não. Conversei, ajeitei de um lado, ajeitei de outro, um carinho aqui, outro aculá e o resultado não agradava. Fui desanimando, desanimando... Caí fora de novo.
     Depois dessa, Pedro disse, quer saber... Vou apear onde anoitecer e o cobertor de orelha que aparecer depois de 16 anos, me aconchego. E assim passou uns dois anos, até conhecer Joana.
     Mulher de feição arredondada parecendo um indinha, formosa, boa de cama que nunca vi, mas nunca vi mesmo. Quase me lasco. A bichinha não dava sossego, queria três vezes por dia que nem remédio para tosse. Era toda hora um chamego, um dengo, uma manha... Pensei, homem, do jeito que eu viajo, às vezes dormindo fora, isso não vai dar certo. E eu lá nasci para usar chapéu de touro a bôba! Já sabe, né? Me mandei de novo!
     Passei uns dias arretado: tá com a porra, uma queria me matar, a outra parecia um manequim de vitrine, a última não pensava noutra coisa que “coisar”... Ou é oito, ou é oitenta!
     Mas, aí tudo começou a mudar.
     Fui num forró em Dois Riachos, luz de candeeiro, Mestre Zinho no vocal, me apareceu uma morena e foi logo perguntando meu nome. Estranhei, acho que não ouvi direito... E qual é a graça da flor que se aprochega? Hum... Para que eu perguntei: “Rafael, mas pode me chamar de Rafa.” Fui do céu ao inferno ligeirinho e larguei o verbo: Como é que é, rapaz? Tome seu rumo, sujeito, que não jogo nesse time não. Estou longe da ignorância, mas é tu lá e eu cá, requebra, se avexe vá, arribe daqui!...
     Descidi sair dali e peguei a estrada de noite mesmo, numa raiva da febre tife. Aí o que eu vejo, uma doidinha sentada num banquinho à beira da pista assando milho para vender a quem passava. Parei e, como quem quer e não quer, fui perguntando o nome dela, onde morava, ela respondendo e aquilo foi se encaminhando para um lado e eu já meio injuriado dos acontecimentos, disse: Menina Maria, tu quer viver numa vida melhor? Se quiser te levo hoje, mesmo... Quando ela disse: vamos falar com o meu pai é agora. Caiu à ficha, me lasquei de novo. Antes de eu dizer que era brincadeira, a pestinha já tinha sumido na carreira e veio trazendo o Pai (S. Capuá, vaqueiro dos bons) pela mão.
     No sertão, ainda se vê causos desses tipo: em duas horas, falei com o velho que era viúvo, conheci a três irmãs menores, ouvi um “Que Padim Ciço acompanhe e abençoe vocês!”, e vim me embora com aquela moça que eu nada sabia a tira-colo.
     Mas, sabe com é, o caboclo com fome e a comida ali, arrumadinha, pensamento curto, o juízo furado igual um queijo coalho... Nem perdi tempo... Êêita, noite boa!
     Duro é que bem cedo, eu olhei direito... Era novinha demais, 15 anos, ainda cheirava leite, moço. Não ia dá certo. Rodei, rodei e, quer saber, vou devolver essa menina dê o que der.
     Peguei o carro e toquei para o povoado de onde eu trouxe a pequena que seguia sem dar nem um “ai”. Porém, lá chegando, comecei, meio por longe, com uma conversa fiada querendo justificar... O pai da moça saiu pro terreiro onde eu tava, vestido de gibão, puxou uma peixeira, agarrou uma soca tempero, começou com aquela voz mansa, não demorou já estava gritando: Vosmecê tá pensando que aqui é barracão, venda? Desapareça daqui, fie da peste! Mal empregado um cabra nascer com um par de brincos no meio das pernas e não honrar as calças que veste! Impe, gema, fale alguma coisa, para eu lhe furar todinho, seboso! Levante poeira, sujeito, cuide, suma daqui!
     Pois, então... Foi o jeito voltar com a prenda. E isso já faz dezenove anos e não é que eu fui pego de jeito... Descobri o amor. Morro de medo de ela ir embora. Mas ela não acredita e, até essa data por qualquer coisa, ela quer chamar o pai!
     Não tem jeito de fazer uma mulher acreditar que ela é amada, depois de uma burrada dessa, né?
     Desse jeito, meu amigo, ele finalizou: descobri que às vezes é melhor deixar a vida escolher as coisas para nós, ela é quem sabe do que a gente precisa.
     E eu respondi ter descoberto um algo mais: que cúpido que se preze, não usa arco e flecha, mas peixeira e espingarda.
     Coisas do sertão...!
 
Flávio Omena
Enviado por Flávio Omena em 19/04/2010
Reeditado em 15/06/2014
Código do texto: T2206246
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