O ODOR DO RECIFE

Os primeiros raios do Sol refletiam na bacia do rio Capibaribe, tornando brilhantes as suas águas. Um cheiro acre de peixe, bem característico do rio, fazia lembrar que a cidade estuária estava nascendo para mais um dia.

Neste momento, enquanto os pescadores da comunidade de “Brasília Teimosa” jogavam as suas primeiras redes ao rio, na esperança quase remota da multiplicação dos peixes – outrora tão fartos – os pequenos catadores de caranguejo, José e Antônio, já chafurdavam no mangue.

Não havia infelicidade naquelas pequenas criaturas, que sequer possuíam consciência da própria miséria. Em verdade, até se divertiam com aquela “brincadeira”, competindo entre si para ver quem ficava mais sujo de lama e, claro, quem catava mais bichinhos com patas.

Dali a algumas horas passaria o barco cheio de turistas, com suas câmeras fotográficas, e era a maior diversão acenar para os “branquelos”, que deles tiravam fotos (para depois estampá-las em seus álbuns, denunciando a vergonha e o contraste social; plástica bonita de palavras vazias).

Viver no Recife e no mangue eis a vida dos garotos José, 6, e Antônio, 8.

Sua palafita já fora visitada por um pessoal da Prefeitura, que ofereceu um casebre lá para as bandas de dentro. “Mas daqui eu não saio, seu doutô”, disse seu João, pescador e pai dos garotos. “Tiro meu sustento do rio, vou viver de quê?”. Falaram para colocar os filhos na escola e ganhar o tal do “bolsa família”, mas seu João é desconfiado. Ademais, os meninos ajudam com os caranguejos e logo vão labutar na pescaria. A menina mais nova, Mariazinha, faz companhia à mãe, dona Rosilda, que cozinha e arruma o casebre.

O cenário da foz do rio Capibaribe é assim: palafitas sobre o rio, crianças subnutridas e analfabetas.

Aqui e alhures ainda grassam as condições sociais do subdesenvolvimento, mas insistem em dizer que o Brasil é potência emergente a caminho do Primeiro Mundo.

Esqueceram pelo caminho, porém, a família do seu João (e muitas outras).

FIM - 2010

Daniel RB
Enviado por Daniel RB em 18/04/2010
Reeditado em 08/12/2010
Código do texto: T2205212
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