Pseudogalinha
- Ariovaldo! Meu irmão! Cara, obrigado por estar comigo neste momento tão especial em minha vida. Estou tão feliz, você nem imagina...
- Imagino... “Você vai ver quanto tempo dura essa felicidade..”
- A Vanessa está tão linda, não está?
- Sem dúvida. “Elas sempre estão. Missão cumprida...”
“Nossa, que bunda! Que bunda! Como pode ser casada, mãe de dois, trinta e oito, e ainda desfilar essa bunda, esses ombros, essas saboneteiras?... Ai, Matilde...”
- Oi, Ariovaldo, você está sumido, hein!
- É verdade, a correria do dia a dia...
- Você viu o Adriano por aí?
- Ainda não. “E tomara que não o encontre tão já, com esta cara de ‘quero comer sua mulher’.”
Muitos comes, muitos bebes, mais bebes, e bebes, e bebes... A banda malhando, as músicas de sempre, backing vocals deliciosas...
- Olha a gravata, olha a gravata! Esse vai casar cinquenta, é patrão, é amigo do noivo... O nó pra ele...
- Caso! Está aqui. Cinquenta.
- Aê, esse é patrão, é presidência, dá o nó pra ele!
“Dá... Eu daria dez vezes cinquenta pra ter o nó de sua esposa, só hoje. Você vai ver, trouxa! Se eu pudesse lhe falar, você não se casaria jamais... Esse nó vai se esgarçar no primeiro filho. No segundo, vai desbeiçar... E daí em diante, só amizade; esqueça o tesão, o romantismo, esqueça que é macho. Você será um escravo dos dias que lhe restam, estará a cobiçar a mulher alheia, estará a sonhar a vida alheia, que, às vezes, será tão ferrada quanto a sua, mas, por ser alheia, lhe parecerá superior à sua, e isso será o sustento de sua imaginação, o sustento de suas ereções mecânicas, que, por piores que sejam, ainda serão o fio de vida que o sustém.”.
“Ai, Lisandra, você ainda está com esse sujeitinho sem parpite, como diria minha mãe? Esse projetinho de homem, homúnculo! Merecia coisa melhor, alguém com sangue no olho, um ogro, alguém com pegada de homem...”
- Oi, Lisandra. Tudo bem?
- Tudo bem, você está sumido. Como vai a Ana?
- A Ana? Ah, vai bem; vai bem... Sempre fala de você.
- É mesmo? Que ela fala?
- Ah, ela fala que... É... Faz tempo que não vemos a Lisandra, né?...
- Que ótimo. Mande um beijo pra ela.
- Mando. Mando... “Eu sou um desgraçado, eu sou um nada!”
Muitos comes, muitos bebes, mais bebes, e bebes, e bebes...
- Quer um bem-casado, meu anjo?
- ...
- Não?
- ...
- Está tudo...?
- Vamos embora, já está tarde.
- Imagina, a festa está tão linda!
- Eu sei bem a porra de festa que está linda! A festa que está rolando nessa sua cabeça podre!
- Você está maluca? Que conversa é essa, meu bem?
- Ariovaldo, você não me estressa mais, faça esse favor, ok? Vamos embora?
- Mas, querida, você não quer esperar...
- Vamos embora agora!
- Ok, ok, vamos embora. Já sei, você não está se sentindo bem, já entendi... A sua cabeça deve estar doendo... Será que é cólica...?
- Ariovaldo!
- Vamos, vamos, meu bem.
Em casa, após meia hora de bico no carro...
- Não entendo, paixão, o porquê dessa sua cara. Estava tudo bem e, de repente, você amuou...
- Ah, cala a boca, Ariovaldo, você deve achar que eu sou uma imbecil mesmo!
- Será que eu posso saber o que fiz ou deixei de fazer, ou que você acha que eu fiz? Sim, porque eu sinceramente não consigo imaginar o que passa na sua cabeça...
- Você quer mesmo que eu fale, não é? Que eu lhe dê o gostinho me fazer de palhaça, mais do que já fez na festa, não é isso? Eu acho que lhe dá prazer comportar-se como cafajeste, pensando que a esposa é uma anta. Acho que essa é a tara de todo o cachorro da sua laia. Então, faz o seguinte: Pega essa latrina ambulante de carro seu e volta lá para aquela porra de festa e volta a se esfregar com aquelas putas, aquelas galinhas por quem você se babou a noite toda. Vai lá, vê se alguém quer. Olha, eu já estou cansada de você, não aguento essa sua cara de sedutor barato se achando, imaginando que tudo que é mulher está na sua. Você já não é mais garotão, coloque-se no seu lugar, a única coisa que você provoca na mulherada é vontade de rir, nunca percebeu?
- Eu não sei de onde você tira essas ideias, mas aviso que não faz sentido nenhum, porque sou um marido exemplar, e você sabe bem disso, sabe que por aí está cheio de homem sem-vergonha, que vive dando chapéu na esposa e eu pago o preço pelos maus. Agora, essa história de provocar riso nas mulheres talvez seja porque sou um sujeito espirituoso e as pessoas gostam de mim, divertem-se. Você ia ver só se eu fosse como esses chatos desses maridos ranzinzas de suas amigas.
- Pelo menos, eles se colocam no lugar deles, de marido, de pai, coisa que você, pelo visto, não sabe.
- Sei, sim, uns nerds é o que são. Não me compare com esses velhotes embalsamados!
- Olha, você já esteve bem melhor, mas agora queridinho, só uísque, cigarro, restaurante... Está um caco.
- Ah, eu estou, é? Você também já não está mais uma dondoquinha como quando a conheci, o tempo é implacável, meu bem.
- É verdade... Você está certo. Só tem uma coisinha: eu não penso que sou uma dondoca, tenho consciência do tempo, da gravidade, de tudo isso. Diferente de você, que tenta se exergar um garotão, viril, charmosão, irresistível...
- Pois eu lhe garanto que muita mulher por aí adoraria tirar uma lasca comigo.
- Ah, coitadinho, vai ver por aí, vai. Vê quantas querem essa tal lasca. Ha, ha, ha!
- Então eu vou mesmo, já que você insiste, mas não adianta se arrepender depois, você é que está me jogando no mundo!
- Vai lá, meu bem, vai. Aproveite pra pensar na vida e, se não quiser, não precisa voltar.
- Vou mesmo!
E lá se vai na banheirona. Bitucas de cigarro voando, o som bombando, Marvin rasgando nos falantes... “Get up, get up, get up, get up; let’s make love tonight. Wake up, wake up, wake up, wake up, cause you do it right…”
“Está maluca, falar assim comigo! Eu, acabado, ela vai ver só quem é que está acabado. Está me estranhando? Onde já se viu? Dizer que estou um caco. Essa molecada por aí tem muito que aprender com o tigrão aqui.”
O velho neon sinaliza o caminho do paraíso dos solteiros, dos descasados, dos casados com alvará de soltura, dos casados brigados, homens livres (mesmo que ocasionalmente); o lugar onde todos são lindos, todos são sexys, todos têm um papo superlegal, todos especiais... Enfim, um pedacinho do céu aqui na terra.
- Garçom, traga-me uma garrafa de Red, por favor, e um energético.
“Vou mostrar quem é que está acabado, vai ver só!”
- Oi, gato, posso me sentar?
- Claro, minha linda! E aí, tudo bem?
- Tudo, lindo! E aí, como é seu nome?
- Anderson. E o seu?
- Dafini.
- Maneiro, Dafini...
- Posso pegar um cigarro?
- Claro, meu anjo; pode, sim!
- É sua primeira vez aqui? Nunca te vi, gato.
- Não, eu já vim outras vezes, mas tem um tempo já.
- E... está só curtindo a noite? Deixou a patroa em casa? Já sei, está fazendo serão, né?
- É, mais ou menos isso.
- Entendi... Vem cá, posso pedir uma bebida?
- Ah, pode beber da minha, tem uma garrafa inteira de uísque aqui.
- Ah, eu não bebo uísque, sou mocinha. Uísque é bebida de homem, de macho, de tigrão!
- Ha, ha, ha, engraçado você dizer isso, parece até que me conhece. Tudo bem, minha linda, que você quer beber?
- Pode ser um coquetel?
- Pode.
- Dudu, faz um “Fantasy” pra mim?
- E então, gato, que é te traz aqui hoje? Está a fim de conversar, de beber, de fazer amorzinho gostoso?
- Quem é que sabe? Vamos deixar a bebida trabalhar mais no meu sangue. Tudo pode ser, honey!
- Nossa que homem misterioso. Adoro homem assim com jeitão meio de sério, meio de cafajestão, de tarado... Você deve ser bem tarado, não é? Nossa, deve ser um animal na cama!
- É dou minhas mordidas...
- Nossa, to ficando louca com essa conversa. Posso me sentar no seu colo? Você não se incomoda?
- Me incomodar, eu? Claro que não.
- Dafini, o drink!
- Obrigada, Dudu.
- Nossa, mas o que é isso, um parque de diversão?
- Ai, gato, é bebida de mocinha, já falei.
- Caramba, você é muito gostosa, galega!...
- Gostoso é você, gato!
- Nossa, não estou aguentando mais essa situação...
- Então vamos, meu bem, vamos, que estou subindo pelas paredes! Olha como você me deixa! Vamos, meu pit bull...
- Não, pit bull, não, minha gostosa. Me chama de tigrão, de tigrão!
- Então vem, meu tigrão, me arranha inteira, me morde, come sua presa, vem, vamos subir.
E pelas escadas eles se foram; foram se pegando, se agarrando, se mordendo, como animais. Uma carnificina se anunciava.
Na cama, a preazinha, só de lingerie, gemia manhosa e engatinhava com graça e malícia enquanto o predador rosnava voraz...
- Eu vou te devorar, gazelinha, vou te estraçalhar, safadinha!
- Aiii, hum, ai, tigrão malvado, ai... Você vai me devorar, é?...
- Vou, bichinha, vou te esquartejar.
- Vem, vem, vem!!!
- Vou.
- Espera um pouquinho, vou pegar a camisinha... Ai, caramba, não acho. Será que não deixaram?... Ai, não sei se a mulher que limpa o quarto deixou. Acho que esqueceu.
- Escuta, será que vai demorar muito, hein?
- Ai, estou procurando, gato, calma. Ah, está aqui na gaveta! Vem, toma. Quer que eu coloque pra você?
- Não, não precisa, eu mesmo coloco!
- ... ... ...
- Tudo bem, gato?...
- ... ... ...
- Não está legal? Quer que eu te ajude?
- Não sei o que está acontecendo, isso não é comum.
- Quer descansar um pouquinho?
- Como assim, descansar? Eu ainda não fiz nada pra me cansar. Eu tenho que dar um jeito nisso, isso não pode acontecer!
- Não se preocupe, isso acontece direto com caras na sua situação...
- Minha situação?! Que situação?
- Casados. Isso é normal, vocês ficam muito tempo sem usar camisinha, aí, quando vão usar, “ele” pensa que é toquinha e quer dormir... (com um risinho contido nos lábios)
- Não tem graça nenhuma, viu. A grande parte disso que está acontecendo é sua com essa história de sair pra caçar essa maldita camisinha.
- Nossa, relaxa, gatinho, se você soubesse como isso é normal...
- Gatinho!!! Até há pouco, era pit bull, gato, tigrão e agora, gatinho?
- Definitivamente, meu amor, você não está legal hoje. É melhor ir pra casa, descansar e, num outro dia, você volta, a gente tenta de novo. Eu prometo que já deixo a camisinha do lado da cabeceira da cama. Até te dou desconto no programa...
- Cabeceira? Desconto? Programa? Você deve estar maluca! Olha, Davni...
- Dafini!
- Hã?
- É Dafini, querido.
- Que seja. Olha, guarde o dinheiro, certo. Compre leite, cesta básica, pague a faculdade, o colégio, o silicone... Foi um prazer.
- Volte sempre, lindo, adorei você!
- Tenho certeza disso...
E assim, manquitolando, arfando e ronronando, o desprestigiado tigrão segue de volta à sua toca quente. Antes, porém, uma passadinha na drugstore. Comprar bugigangas ajuda a esquecer algumas agruras. Perfumaria, medicamentos autoprescritíveis, chicletes, sorvete etc.
E então, de volta ao leito quente, onde sua selvageria sempre reinou e onde sua tigresa repousa plácida e linda como nunca:
- Voltou, tigrão?...
- Nunca fui, meu anjo, só saí pra tomar um drinque e espairecer. Já estou bem de novo. Você está boazinha agora ou continua naquela brabeza toda?
- Vem tigrão, pode me abraçar... Nossa! Eu é que digo: que brabeza é essa?
- É o seu tigrão com o diabo no couro... Não parei de pensar em você desde a hora em que saí, meu bem.
- Ai, meu animal, que é que você bebeu por aí?... Ai! Ai! Ai!
- É chá de saudade...
- Hum, vou encher a despensa disso! Ai, ai, ai... Tigrão!