INCONSCIÊNCIA

Ele acordou sentado, na cadeira de palha que havia em seu quarto e não sabia explicar o que fazia ali. O quarto ainda escuro mal deixava perceber o ambiente, ainda era madrugada e o dia mal dava sinais de um amanhecer. Sentia uma espécie de torpor e sua cabeça parecia envolvida por uma estranha sensação de pressão e não conseguia coordenar as idéias. Percebeu que sua esposa ainda dormia. Olhava em volta tentando acostumar os olhos com o ambiente escuro e sentia uma sensação de vazio. Não conseguia lembrar-se de nada, nem sequer de como havia ido parar ali, sentado naquela cadeira. Aos poucos o ambiente ficava mais claro e então sua visão começava aos poucos a reagir e percebeu que havia sangue em seu braço e ao baixar os olhos notou respingos e manchas também em sua camisa. Aflito voltou os olhos para sua esposa deitada sobre a cama e como uma onda avassaladora o quadro que via começou a desenhar-se e via sangue, muito sangue e uma faca enterrada no peito de Claudia. Com um grito de desespero que parecia uma fera urrando, jogou-se sobre a esposa, Clamando seu nome desesperadamente, mas, os olhos arregalados e opacos fitando além do teto do pequeno aposento, denunciavam a ausência de vida. Claudia estava morta. Seu rosto desfigurado com sinais evidentes de violência. Sentiu-se como se uma tempestade invadisse seu cérebro e novamente a visão turvava e uma sensação de amargo queimava-lhe a garganta. Buscava em sua consciência uma explicação para o que via. Quem a teria matado, onde ele estava quando isso aconteceu? Recuou cambaleante e escorando-se pelas paredes, chorava e buscava um sinal que desse uma pista, as janelas estavam trancadas, não havia sinais de arrombamento. Voltou ao quarto e sentou-se novamente com a cabeça entre as mãos. Buscou um cigarro nos bolsos e suas mãos trêmulas mal conseguiam coloca-lo na boca. Continuava sem lembrar de nada, sua mente era como um poço escuro e vazio. Permaneceu assim, imóvel por um bom tempo. Um flash de lembrança repentinamente veio a tona como um clarão, via Cláudia ao telefone falando com alguém. Olhou novamente o corpo sobre a cama, ela estava com a mesma roupa que vira no lampejo de memória. Fora morta antes de despir-se para trocá-la. Cambaleante andou até a sala e viu o fio do telefone pendendo da estante onde ficava. Neste momento outro lampejo mostrava Cláudia com os olhos arregalados, como que surpreendida ao telefone. Colocou lentamente o fone no gancho e percebeu o numero registrado no display, era do Armando, seu amigo. Sentou-se sobre o sofá e chorava convulsivamente tentando entender o que estava acontecendo. Ele amava muito a esposa e esforçava-se por fazê-la feliz. Agora um novo flash e se via sentado em uma mesa de bar onde na outra ponta a figura de Neco, seu amigo, sorvia um trago. Então aos poucos a lembrança do dia anterior vinha aos poucos revelando-se em sua mente. Na medida em que ia lembrando um desespero maior começava a atormentar-lhe. Saíra mais cedo do trabalho e resolvera passar no bar para comprar cigarros e uns bombons que Cláudia adorava. Costumava fazer isso sempre. Neco sentado a uma mesa, convidou-o para um trago e ele aceitou, afinal ainda era sedo. Conversaram sobre futebol e evidentemente mulheres e Neco o convidou para conhecer umas amigas. Ele a principio recusou, mas a insistência do amigo acabou por convence-lo, afinal, que mal teria. Claro que as amigas do Neco, não eram propriamente o que se pode chamar de santas. E já os receberam com copos de cerveja gelada, o que veio a calhar em virtude do calor. À medida que a noite avançava a bebida corria solta e já haviam misturado cerveja com Vodka. Lá pelas tantas pintou um pó e depois de dois carreirinhos ele sentia-se como o próprio super homem, capaz de qualquer coisa, sentia-se acima de qualquer simples mortal. Neco deu-lhe uma carona até sua casa. Entrou pelos fundos e ouvia Cláudia falando ao telefone, aproximou-se para beija-la e ao ver o número, registrado no identificador, ficou possesso, sabia que Armando era apaixonado por Cláudia desde a época da faculdade, mas ela o preferira e notava sempre o modo como Armando a olhava e sentia um ciúme doentio.

– Sua vagabunda, você está me traindo com o Amando!

– Não é nada disso, ele queria falar com você! Ele tomou o fone de sua mão gritando, - Quero falar com esse ordinário!

– Ele já desligou! Você está louco? O que há com você? Mas ele não a ouvia, largando o fone agarrou-a pelo braço e a arrastou para o quarto. Bateu-lhe violentamente jogando-a sobre a cama. Depois abriu a gaveta do criado mudo e desembainhou a faca que guardava ali. Enterrou em seu peito enquanto esbravejava. – Sua vadia! Você nunca mais vai me trair. Então um frio intenso invadiu seu coração a respiração ofegante e a boca seca as mãos trêmulas cobriram-lhe o rosto e o pesadelo veio a tona revelando-lhe a triste realidade. Agora estava tudo claro em sua mente. Não podia acreditar que aquilo era verdade, deveria ser um pesadelo louco e logo acordaria. Mas não era. Ele matara a mulher que tanto amava. Não podia acreditar que havia feito isso. Sua mente agora era um misto de terror, medo e revolta. Maldita hora em que aceitara o convite do desgraçado do Neco. Estava ainda envolto por um indescritível sentimento de culpa, quando o som do telefone o arrancou de seu martírio. Arrastou-se até a sala e mal conseguiu balbuciar um alô quase inaudível. – Armando? – Cara, onde você se meteu ontem? Quero falar com você sobre aquele terreno...Alô!... Ele não ouviu o resto. Como um autômato caminhou até o quarto, abriu a porta do guarda roupa e retirou do coldre o revolver que ganhara de seu pai. Era uma bela arma e ele a mantinha carregada. Nunca a usara, mas sempre a limpava e guardava para alguma emergência. Sentou-se na cadeira de palha, acendeu um cigarro, colocou a arma sobre o criado mudo. Pegou o celular sobre a penteadeira e ligou para a polícia, contando o que havia feito. Jogou o celular com toda a raiva no espelho sobre a penteadeira como que a querer descarregar todo o sentimento de culpa que o torturava. Depois fumou seu último cigarro, curvou-se sobre o corpo sem vida de Cláudia e beijou sua boca fria, - Nem posso te pedir que me perdoe! A sirene da polícia já se fazia ouvir. Olhava o corpo sem vida da mulher e sentia que sua vida tinha que terminar ali. Nunca se envolvera com drogas e nem imaginava do que esta maldição seria capaz. Agora sabia, e pagara um preço alto demais pela experiência. Esperou a campainha da porta tocar, então levou o revólver ao ouvido e apertou o gatilho.

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 16/04/2010
Código do texto: T2201380
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