LOURO&TRIGO
“Nada, sem nenhuma nota de
deslumbramento,nem prosseco...”






Dezembro. Escutava as amigas dizer que dezembro era o mês “de ninguém é de ninguém”,mês do calendário das loucuras,permissivo aos instintos mais ocultos.
Hora do vamos ver,reviravolta total na vida.A pressa, o seu quotidiano morno,as horas
contadas para tudo,naquele dia de dezembro resolvera fugir de todos,de si.Algumas gotas de chuva pingavam sôbre seu rosto muito branco,escolhera aquele dia para fazer a sua então loucura íntima e solitária. Atrapalhava-se ao abrir seu lindo guarda-chuva azul com viés em
vermelho,segurava-o,delicadamente,enquanto ao mesmo tempo,tentava ligar para marcar uma hora no salão de beleza,já que não tinha mais hora disponível no seu cabeleleiro
de sua preferência.Cismou,que naquele dia,tinha que mudar seu visual a qualquer preço,apesar,
de alertada por sua amiga,que tivesse cautela em ir nesses últimos dias de dezembro em salões
de profissionais desconhecidos.Mas,não se deu aos ouvidos a recomendação de sua amiga.Debaixo de uma chuva ainda que rala,salpicavam gotículas d’água em sua minúscula agenda que borravam suas anotações,tinha alguns endereços e telefones que buscava avidamente encontrar no meio da balbúrdia da rua,de então dezembro.
Num duelo de procura,entre ligações ocupadas como que em eternidade,por outras vezes, vozes confusas e indefinidas,consegue afinal marcar uma hora.
- “ A senhora querendo pode vir,agora!” Dizia a voz do outro lado.
- “ Estou indo,então!”
- “Qual é o seu nome”? Pergunta a voz rouca e masculina.
- “ Ceres, meu nome é Ceres!” Exclamava feliz do outro lado da linha por ter conseguido marcar
sua tão procurada hora,ao mesmo tempo que estranhava haver vaga disponível num dia daqueles.
Mas,pouco importava-se com esse detalhe tão relevante, que satisfazia seu intento feminino.
Conjeturas. No meio do trajeto, pensava consigo mesmo como seria o salão,o profisisonal,se seria bem atendida,já que não tinha nenhum conhecimento do estabelecimento. Entretanto,estava ao menos satisfeita,pois,quem lhe atenderia seria um homem,e estes em sua concepção eram sempre mais sensívies e delicados na tratativa com as mulheres.
Ao adendrar no salão um pouco ansiosa e ofegante,sentou-se para respirar.Notou que à sua volta,que havia poucas mulheres em vigílias da espera,lendo revistas
sebentas,antigas,algumas faltavam páginas,algumas até amassadas. A impressão não foi das melhores,mas,mesmo na sua teimosia,continuou sentada aguardando sua vez. Recostou o guarda-chuva azul que pingava,formando ilhas d’água no chão,poças efêmeras que ninguém se importava.
Mais calma,consulta o relógio com uma nesga de inquietação. Uma funcionária do salão oferece em uma bandeja com flores estampadas,cafezinhos em copos de plásticos. Pensa consigo mesmo, nada sem nenhuma nota de deslumbramento, nem prosseco.Acostumada a freqüentar salões de alto luxo,sente a falta da blandícia que sempre lhe fora acarinhada como de costume. O café é quase que frio, requentado em garrafas térmicas,dessas que perderam o queimor.







Contudo, nunca se deixou levar por essas diferenças, o que importava mesmo era estar de unhas vermelhas,cabelos escovados seja de que jeito fôsse.
O dono do salão chama Ceres para sentar-se,logo assim que termina seu cafezinho de garrafa térmica.
Coloca uma toalha de sêda vermelha que desliza sobre seu corpo suavemente,amarra-a ao seu pescoço. Uma sensação de arrepio que invade sua pele ao sentir o toque masculino daquelas mãos. Estranha, sentir um prazer em simples mãos de um desconhecido,sente um remorso,sente-se devassa.Como poderia arrepiar-se,assim? Seria normal,será que qualquer mulher sentiria a mesma sensação? Pablo, solta os cabelos escuros de Ceres,libertando-os do elástico preto,de grampos,dos seus adereços femininos.
- “O que você deseja fazer em seu cabelo?” Pergunta Pablo.
Ceres,fica perturbada ao próximo contato corporal com aquele desconhecido que debruça sobre ela,examinando seu poroso fio de cabelo.
-“ Bem, gostaria de clareá-lo,fazer umas mechas,mas, bem claras!”
- “ Bom,para início de conversa,seu cabelo está muito escuro para esse tipo de tintura que você deseja.”Tenho que fazer um processo longo e demorado,tenho que
fazer uma espécie de decampagem.” A descoloração seria o mais certo até chegar a côr desejada.” – Vamos lá então,começar?”
- ‘” Você também, quer fazer unha do pé,da mão?”
Ceres queria fazer tudo. Tudo o que tivesse direito naquele dia de dezembro. A esta altura,todos procuravam por Ceres, o seu celular não parava de tocar,começando seu inferno particular.
- “Ceres, onde você está?”
- “ Todo mundo está te procurando,criatura!”
A mistura da tinta se misturava ao fone,besuntando tudo. Seu coração parecia fibrilar,susto!
Simplesmente,Ceres,sumiu de todos como tinha proposto a si mesmo fugindo de sua própria rotina de trabalho.Cancelara todos os seus atendimentos,mas,mesmo asssim todos a procuravam.
As horas iam passando,Ceres sentada na cadeira sentia arrependimento por estar ali.Sentia que alguma coisa não ia bem. Aquele homem, não dera nenhum palpite,não alertara à Ceres que a cor escolhida por ela,não lhe cairia bem.Não fizera seu honesto papel de um bom profissional,
silente permaneceu. E,Ceres, no afã de mudar sua vida pintando o cabelo,não se apercebeu do desastre iminente.
- “Você tem alguma alergia à tinta-de-cabelo?
- “Não,claro que não!”
- “Estou notando alguma irritação na sua pele!”
- “ Posso proseguir”?
- “ Está sentindo alguma ardência?”
- “Bem,estou sentindo sim,mas nada demais,bem pouquinho!
Mentira! Uma ardência nos olhos, na garganta,invadia-lhe.......
A sua audácia de dezembro passara a ser uma punição para si mesmo.
Estava no fogo e se queimava,ardia,persistia no êrro.
Esganar o mundo seria pouco....
- “Pode continuar pintando meu cabelo!”
O dia parecia não escurecer,não acabar, o dia mais longo de sua vida.
Vexada, queria evolar-se nas espirais de incenso daquele salão.
Não mais relanceava seus olhos-castanhos para mirar-se em seu mais novo cariz.Notou uma mussitação,cochichos dos que a olhavam obliquamente,ao levantar-se da cadeira.
Firme, ficou com igual expressão no rosto como se não tivesse acontecido nada!
Só queria adivinhar os comentários maldosos a seu respeito.Pablo,apenas limitou-se a uma despedida fria, ajeitando retoques em seu mais novo cabelo ultra-claro,da cor de trigo,louro-trigo,borrifando-os com laquê. Ceres, parecia um monstro, não se sabia onde estavam suas sobrancelhas, esmaecidas,sua testa crescera parecia que não tinha mais fim, engoliu as lágrimas...............



E agora, o massacre! O porteiro, quando a viu chegar,espantou-se:
- “Dona Ceres,o que a senhora fêz em seu cabelo,está tão diferente”!
Ceres,mal acenou para o porteiro,dizendo, laconicamente:
- “Coisas de mulher,seu Severino!”
Quando abriu a porta do apartamento,sua irmã,exclamou:
- “Ceres,o que foi essa loucura,outra vez?”
Ceres,acorre ao telefone,ligando para a farmácia pedindo uma coloração escura,negro-azulado!
Como iria trabalhar daquele jeito assustador com aquele cabelo!
Liga para sua colega,que pasmada diz à Ceres:
- “Ceres,desse jeito teu cabelo não vai pegar a côr escura,ele vai absorver uma coloração vermelha!”
- “Vermelha”! Pasma-se,Ceres!”
- “ Prefiro a morte!”
- “Calma,Ceres, vamos ver no que vai dar!”
Ceres tem a sorte do cabelo voltar ao seu “tom”normal,mas o percebe partido,picotado,caindo
na pia do seu lavabo!
No dia seguinte,nem vai ao trabalho,marca uma consulta com a dermatologista que
sem papas na língua,diz que Ceres foi às raias da loucura com seu cabelo.
O bulbo capilar destruído,sem chances para nenhum tratamento a não ser cortá-lo muito,muito curto, o diagnóstico final de Ceres!
Ceres, indignada, cortou as longas madeixas,num corte à la joãzinho. Tinha que começar do zero,tudo de novo......
Pela enésima vez,procurando o tom ideal de seu cabelo,o matiz, a côr da sua alma.............