MAIS-E-MAIS




É inconsciente,um desvario que dá,um estranho desconhecido que chega e come-se o que não há! É uma fome,fome de tudo,fome de afeto,a fome do próprio vazio
da existência que quer sempre se justificar em corpos imperfeitos,a adiposidade da tristeza!
“ – Laura,anda,Laura!”
“ – O almoço está na mesa!”
“ – Viu só,este vestido?”
“ – Nada cai bem em você!”
“ – É uma merda,está empinado,bicudo!”
“ – Sabe porque né!”
“_ Você está gorda,Laura,gorda,muito gorda!”
“ _ Você é apenas uma menina,já pensou quando crescer?”
“ – Você irá ficar horrível cheia de estrias e feia,tenho muita pena de ti!”
As lágrimas de Laura respingam no espelho,escorrem sinuosas,misturam-se com a água do banho que resta ao pentear seus cabelos molhados. Finca o pente ao couro cabeludo vendo-se no vaticínio de sua tia mais nova. Olha-se,sempre silenciosa,
confirma ao reflexo do que se vê, a admoestação da tia rancorosa e má. Ali,como um retrato,uma fotografia passageira daquele dia nefasto,Laura,admira-se ao seu inverso.
Sente na pele, a infinita razão de sua tia! O vestido é lindo,mas,Laura não acompanha a beleza da vestimenta,deforma com o contorno do seu corpo todo o trabalho da sua avó que costurava suas roupas. Laura confronta-se com o espelho,mais uma vez,e, sua tia berra da sala que a comida está esfriando na mesa.Não queria dar o braço a torcer,mas,ela tinha lá suas razões,pensava baixinho para si mesma,era opulenta,gorda! Fazia poses defronte à sua imagem,encolhia sua barriga proeminente,
passava a mão para que a barra do vestido não ficasse mais curto,empinado como sua tia
a admoestava,e,num curto instante quando comprimia sua mãozinha ao corpo gordo, e em obediência ao espelho que acatava sua magra alegria,parecia ser normal como todas as meninas de sua idade.......
Laura,escolhe suas roupas no shopping. Pede a vendedora que quer um vestido
com mangas, a vendedora diz que é impossível uma roupa com mangas em pleno verão! Laura se escondeu a vida toda, um calor de rachar e,ao experimentar contrariada um
vestido sem mangas,Laura se vê na fila do recreio da escola e..........
“ – Laura, você sempre de casaco-azul-marinho de lã,Laura!”
“ – Vamos lá, Laura, tire já esse casaco,estou mandando!”
É a diretora da escola onde Laura estudava, o recreio é nítido em sua cabeça,sempre
alguém lhe berrando,lhe cobrando. Quando a diretora gritou com Laura um silêncio se apossou de todos que estavam em pé na fila,bem na hora do famigerado recreio escolar.
Laura, em gestos diminutos,cabisbaixa,começa um ritual para desnudar-se na frente da escola em peso,sob olhares curiosos e atentos,desabotoando seu casaquinho de lã,seu companheiro de todos os dias,aquele casaco era um escudo que torrava sua pele de calor,mas era a primeira coisa quando saia de casa,encobria-se naquele “manto protetor.”

Era uma mocinha, tinha vergonha de mostrar seus seios que despontavam sob o soutien
branco de renda.
A vendedora fica intrigada,pois,Laura parece petrificada diante do espelho.
O recreio da lembrança parece transcorrer avivado pelo vozerio que vem do fundo de sua alma.
“ - A senhora está sentindo alguma coisa?” Pergunta a vendedora atônita.
“ – Não,querida,nada não!”
A vendedora diz que o vestido ficou bonito em seu corpo,”apesar de ter ficado um pouco apertado”.
“ – Fazemos ajustes, se a senhora quiser,poderemos afrouxar o vestido para que possa deslizar em seu corpo”!
Laura,ouve a vendedora que profere aquela sentença de “afrouxar o vestido”!
Sempre fora assim,passou a vida toda comprando vestidos fictícios que não lhe cabiam no corpo,tinha quase um prazer mórbido de guardá-los no seu guarda-roupa,entupia as gavetas de coisas que nunca “lhe cabiam bem” como dizia sua tia em sua infância.
“- A senhora vai levar o vestido assim mesmo, ou prefere que possamos dar um melhor retoque adequado ao seu corpo!”
Aquilo lhe apunhalava seu coração,pensava que podia ser diferente ter um manequim menor,pois,tudo teria um outro sabor em sua vida.
E vem a profusão das uvas de Nero,a fome,sem ser verdadeiramente fome............
Laura aperta sua cintura durante o recreio,ela está no recreio eterno da lembrança!
“- Estou conseguindo apertar minha cintura,será que estou emagrecendo?”
“- Laura desse jeito,sai a banha por tudo que é lado!”diz sua colega, Mitzi.
- “ Laura,você tem que emagrecer, a família do seu noivo vai chegar para a formatura,
e,vão dizer logo,”que noiva tão linda de rosto,mas,tão gorda!”
- “ Quem vai fazer o vestido para a formatura, é sua mãe?!”
As mãos de fada de sua mãe faziam os vestidos mais lindos para Laura, sonhava em fazer mesmo seu vestido-de-noiva.
- “Sim, ela mesmo fará um lindo vestido para mim!”
- “ Lembre-se, Laura você só tem dois meses para emagrecer!”
Até a mãe de Laura quando viu o modelo do vestido escolhido por ela,disse que não ficaria bem em seu corpo: -“ Laura,o vestido é lindo,mas, em você vai ficar parecendo
uma baiana! Todas essas frases,todos os diálogos nada apagavam de sua mente carregados em silêncio e sofrimento.
- “ Eu não disse para você, Laura,que esse modelo não lhe cairia bem,você é além de tudo,gorda e teimosa!”
Estava na hora em que seu noivo viria buscá-la,estava aflita,o vestido era um sonho,mas Laura não se sentia bem com ele,o elástico que prendia na altura de seus ombros a toda hora repuxava,saía do lugar,incomodava. Laura foi ao desespero,pois seria assim o tempo todo, sua mãe tentara dar um jeito,toque de mãe,toque de fada,deu certo!
Conheceu a família do noivo que veio para a formatura,e,logo os comentários:
- “ Que noiva linda,Amícis!” Entretanto,sentia os olhares como que cobrando um corpo esguio,esbelto. Laura, não emagrecera naquele curto período de dois meses,seu vestido
fora o mais bonito da festa,mas........
Amícis,viajou para fora do país para cumprir um estágio experimental da empresa onde
trabalhara,e,somente retornaria dois anos depois. A irmã de Amícis, entusiasmada com o provável casamento de ambos, entranhou na cabeça de Laura que teria agora todo o tempo do mundo para se tornar um moça “magra”.


- “Dois anos,Laura!”
E,assim, Laura fez um regime daqueles, quase morreu indo parar num CTI em estado pré-comatoso! Doses cavalares de comprimidos que influíram em seu organismo,num curto espaço de tempo,Laura enxugada em menos vinte quilos de sua existência feminina. Laura,por incrível que pareça ficou feia e magra. O rosto com a pele viscontiana,ficou esquálido, o queixo agora,era o que tinha ficado “bicudo”!
Laura,osso puro de doer,joelhos atrevidamente pontudos,as coxas finas,os olhos ficaram maiores,as faces secas,envelhecidas em sua pouca idade!Um regime mal administrado por seu médico que tinha a pressa de emagrecer o maior número possível de suas pacientes gordinhas.
Laura não parece escutar a voz da vendedora,ainda,defronte ao espelho,é o recreio,o noivado,seu corpo,sua vida!
“ – Poxa,agora tenho que apertar todos os meus vestidos,minhas roupas,perdi minha bunda,meu peito caiu,se soubesse.......”
Começaram os comentários maldosos sobre seu emagrecimento,de que provavelmente
estaria muito doente,de que teria ficado muito feia magra,que seu lindo rosto teria dado
a vez a um rosto sêco como uma folha caída ao chão.
Ainda defronte à cabine do provador de roupas, a vendedora fica intrigada com a demora de Laura em sair dali, já que acabara de provar o vestido.
Amícis, de férias chega ao Rio e vai buscar Laura em seu trabalho. Laura, como sempre distraída, está ao lado de Amícis no hall da entrada de seu prédio,ambos não se apercebem que estão como que ombro a ombro,e...
“- Laura, é você!”
“ – Como você ficou diferente,não te reconheci!”
Entraram no carro, o coração de Laura parecia sair pela boca...
Amícis,apalpava o corpo esquelético de Laura, e começava a disparar:
“ – Laura, perdoe-me pelo que vou te falar agora, eu sempre quis que você se cuidasse,
sempre te achei “paradona”,sempre te incentivei a fazer uma ginástica,mas,você só interessava em comer,comer,lembra?
Faz mais de trinta anos,e Laura ouve a voz de Amícis dentro da cabine do provador.......
“ – Laura, você ficou horrível,você parece uma tuberculosa,é osso puro, não tem carne,não tem nada!”
Laura fica em estado de choque ao ouvir aquelas palavras ácidas de Amícis.
Tudo o que fizera, o regime foi pensando nele,e não pensara nela,ficou pensando o que levaria uma pessoa a gostar da outra, a se apaixonar,se azul,se branco,se gordo,se magro,afinal de contas o que era o amor?
Amícis,fora cruel,conversava com Laura,e, ao mesmo tempo que beliscava sua pele que apesar de jovem,estava flácida pelo drástico regime.Laura se retraía,se sentia menos quando queria ser mais-e-mais,quando tinha tantos sonhos a dividir.......
“ – E,olhe,Laura,eu não vou mais me casar com você!”
“ – A senhora quer provar outro vestido?”