Marineusa não está bem

Estive com Marineusa e fiquei arrasada. Marineusa mudou de capital. Não falo de capital monetário, porque deste ela já mudou faz tempo. Falo de estado. Mal se instalou na nova casa e a sua casa que ela fez questão de não alugar para não estragar foi arrombada e ficou uma semana aberta. O filho não quis avisar a mãe e a nora também não. Segundo a irmã de Marineusa, era para não incomodar. Marineusa, à distancia, acionou a polícia, que esteve em sua casa e achou que ela era maluca, deixar aquele imóvel como o deles, sem vigia. Marineusa, no desespero, pediu para sua irmã consertar as portas, e o conserto foi uma fortuna. Duas trancas trezentos e oitenta reais. Pediu para arranjar um jardineiro, que era funcionário da pousada da sobrinha, que cobrou mais seiscentos reais para fazer um jardim de cinco metros por cinco metros. Uma vizinha maluca envenenou os seus gatos e os gastos foram exorbitantes com o atendimento veterinário. A irmã de Marineusa sentiu uma empatia muito grande pela vizinha que envenenou os bichanos. Marineusa deixou um cachorro que foi recolhido da rua para ser encaminhado para a adoção por uma voluntária e um saco de ração de vinte e cinco quilos. Em quinze dias acabou a ração, o cachorro comeu demais, e sua irmã foi a um pet shop e comprou mais um saco de vinte e cinco quilos de ração mais sofisticada, de primeira linha. Sua irmã não tem culpa, apenas vai pelo mais fácil e está sendo enganada. Marineusa deixou trabalho, casa, filhos, seus bichanos, suas obras de arte, sua arte sacra, filho, nora e netos, e foi para o norte viver clean porque é por pouco tempo. Ela não sabe precisamente que tempo será este. Até porque o seu marido não gosta muito de comentar. Ela está prisioneira dentro de casa. Ela, três cães e um gato. Não pinta, não tem com quem trocar idéia, pois todos trabalham, não assiste TV e seu marido que entra no Orkut dela, checa seus e-mails, o maridão nesse ponto está ajudando bastante. Ela já não sabe mais quais são os seus gostos mas o maridão é generoso e está pagando as suas despesas. Freqüentam ótimos restaurantes. Se a alma não está se alimentando, o estomago está. Auto exilada, sem telefone e sem computador. Diante da situação, estive com ela e notei que ela não está bem. Adoece com freqüência e diz que é adaptação. Antes usava saltões e agora só usa sapatilhas. O cabelo está mal cuidado, sem brilho. O brilho do olhar foi para o espaço. O marido sempre dizia, Marineusa, use o computador. Pois agora que ela aprendeu o básico, sem professor, foi na raça, mas o que mais me preocupa mesmo foi quando ela me disse, não se preocupe, porque eu vou tentar ensinar os cachorros a falar. Livros ela já leu todos os que trouxe na bagagem, revistas devora todas logo que entregues, lê os jornais mas não está mais tão interessada na compra da casa onde vive. Chegou animadíssima e já murchou. Sofreu porque devastaram o bosque na frente da sua casa. Ela nunca ouviu falar em fazer poda de árvores sem consultar o IBAMA. Uma noite dormiu com o bosque fechado e amanheceu com ele devastado. Mas a natureza já está se encarregando de repor a vegetação rasteira. Mas e as arvores que foram podadas com exagero? Ela pensa, estão como eu estou, podada e mal paga. Passou por poucas e boas experiências, ainda bem que tem um marido cabeça fria. Eu disse a ela, Marineusa, não se preocupa, é só adaptação, é assim mesmo. Mas ela continua a fitar o vazio. Ô Marineusa, você não pode deixar a peteca cair... Ela me respondeu, caiu faz tempo e se queixou: segundo ela está fechada para tudo por tempo indeterminado, já não sonha, já não espera e aprendeu a viver um dia de cada vez. Perdeu o tesão pela vida, logo ela que era tão alegre e engraçada. As tiradas dela eram ótimas. Tentei consolar Marineusa, dizendo, ô amiga, reage, porque nós sempre devemos a mil e sempre linda. Ela deu um sorriso de Mona Lisa. Sente-se prisioneira, acuada e muda. Entrou na concha. Até quando Marineusa? Sabe Deus que desgraças cometi em vidas passadas! Isso é o meu carma!