PQD

PQD

PQD é a abreviatura pela qual são conhecidos os pára-quedistas no exército e é na vida da caserna que se passa essa história, entre os alvos muros, fruto da caiação mensal, de uma determinada unidade militar. Toda a unidade militar do exército nessa época era composta por inúmeros profissionais, que não necessariamente os guerreiros, combatentes, mas outras profissões que viabilizavam a estrutura para o combate do grupo dos combatentes que era o grosso da força, funções estas vitais para o sucesso da guerra, mas vista com não muito bons olhos pelos combatentes que os viam com um certo preconceito, com discriminação, por não participarem aqueles efetivamente da linha de frente do combate em caso de guerra, mas pessoas que pelas suas funções permaneceriam na retaguarda dando o suporte necessário para os que estivessem na linha de frente. Era o caso da arma de Comunicações, de material bélico, manutenção, etc. e também aprovisionamento, este último a turma encarregada da ração de suprir a alimentação dos combatentes e enquanto em paz, dentro das unidades militares a sua base é o rancho, este é o local onde os militares se alimentam dentro dessas unidades e quem prepara e serve esse alimento são os chamados rancheiros. Essa turma passa o dia todo envolvido com preparos de grandes quantidades de alimentos pois a comida é literalmente para abastecer um quartel e mal terminam de servir o café da manhã já começam o preparo do almoço em muitos dias os últimos cafés ainda não foram servidos e eles já estão envolvidos com o almoço e assim sucessivamente e também não podem descuidar dos rigorosos horários pois ali tudo é feito com hora marcada. E essas pessoas que ali trabalham entre tanto alimento e tanto preparo e sempre com muitas provas de temperos desta ou daquela comida entre nuvens de vapores gordurosos dos inúmeros vazamentos de vapor deste ou daquele encanamento, pois nessa cozinha os alimentos eram cozidos com vapor que vinha de fora em canos de metal e com o tempo muitos desses pelo desgaste tinham vazamento o que elevava a temperatura da cozinha em muitos graus à temperatura que se fazia fora dela. É claro que nesse meio muitos desses homens acabavam por assim dizer descuidando um pouco da higiene pessoal com seu corpo e com suas roupas em prol do resultado final que era a comida pronta na quantidade certa e com a hora marcada. E muitos deles acabavam também ganhando um sobrepeso entre tantas provas de doces e salgados e um desleixo com os exercícios físicos que do pessoal da cozinha não era tão exigido como o era com os combatentes. E esses cozinheiros então exibiam vastos ventres, barrigas volumosas que iam encostando, neste ou naquele cano de vapor, nesta ou naquela panela ou uma mesa que estava engordurada, enfim com o passar do tempo esta camiseta que havia sido branca quando colocada no local da barriga já estava com uma cor bem escura. O que só estimulava os combatentes a tratá-los por porcos, relaxados, mas isto muito mais por ciúme por aqueles estarem dispensados dos exercícios físicos do que pelas suas funções, então estas brincadeiras eram feitas não por não gostarem dos rancheiros, mas por se acharem em uma posição superior, diferentemente da posição que ocupavam os homens da bóia, enfim eram tratados com desdém.

Um desses encarregados do rancho, um sargento com o nome de guerra Ramos que casualmente era o símbolo do aprovisionamento na farda do exército um ramo gravado na farda, como o músico é uma harpa, etc. Esse homem com um ventre imenso o que ele exibia como se dele tivesse muito orgulho, essa grande barriga revestida com uma camiseta que dias atrás havia sido branca e hoje já bem escura, trazendo nela as várias impressões de panelas ou grades dessa cozinha que claro que não era das mais asseadas, onde ele passara e trouxera na camiseta as marcas dessas passagens.

Mas esse homem a muito que havia abandonado os exercícios físicos ou mesmo o futebol com amigos vez ou outra, cuidava exclusivamente da sua atividade no rancho, provando um alimento ora aqui, ora ali, conseguindo dessa forma manter esses seus cento e quarenta quilos bem distribuídos nos seus 1,73 metros o que na relação peso altura dá um enorme excesso de peso, desproporção enorme a ponto de sua gandola, que é a jaqueta militar, ter de ser feita sob medida pois não era fabricada uma que fechasse os botões sobre sua barriga então ele comprava a maior que era fabricada e fazia duas emendas nas laterais até que todo esse tecido fosse suficiente para envolvê-lo.

Pois nesse dia havia chegado da capital federal alguns militares, os quais passaram seis meses fora da unidade fazendo curso de pára-quedismo, eram agora chamados PQDs e se orgulhavam muito disso, pois pára-quedista além de ter muita coragem para se jogar do avião no vazio em queda livre, até que abra o para quedas, também precisa de muito preparo físico, não só para fazer os saltos mas sobretudo nos treinamentos durante o curso e que antecedem os saltos uma atividade física voltada principalmente para os exercícios de braço, barra fixa, rapel, etc. e esse grupo chegando a unidade logo depois do almoço, acorreu ao rancho em busca de algum alimento que a fome era grande depois da longa viagem e na chegada toparam com o sargento Ramos com sua barreira humana fechando a porta e comendo rapadura de leite, pois o Ramos sempre estava comendo alguma coisa ou era rapadura ou era amendoins que ele trazia nos bolsos ou biscoitos que havia em outro bolso e disseram-lhe os homens sempre com a educação, que norteava esses encontros:

- Te mexe baleia, pois estamos chegando agora e somos os novos PQDs do exército e dizendo isso mostraram na farda a nova insígnia, própria do pára-quedismo, que doravante eles usariam coladas em suas fardas.

O sargento Ramos minimizando o feito e fazendo troça disse que qualquer um poderia ser PQD, ao que disseram os combatentes:

- Sim qualquer um guerreiro não um rancheiro com quatrocentos quilos como tu e que a única serventia seria para cozinhar e o faz em grande quantidade para que sobre bastante, pois sobrando podes comer muito e manter essa silhueta de cachalote. E continuaram os homens:

- Sim é necessário “apenas” muita coragem e preparo físico, mas isso dificilmente se encontra em um rancheiro que são muito mais hábeis com panelas a velames de pára-quedas.

E seguiram troçando do sargento mesmo este já tendo se afastado para dar ordens a um cabo que estava próximo para que providenciasse comida para aquele grupo de homens e na volta o sargento passando novamente pelo grupo se dirigiu novamente a eles e disse:

- Vou mostrar para vocês como até um rancheiro pode ser pára-quedista e saiu.

Ficaram os homens rindo e imaginando o tamanho do pára-quedas necessário para sustentar o peso do

Ramos nos céus,

Para aquele grupo de homens aquilo foi um fato normal e corriqueiro e no outro dia não lembravam mais do ocorrido, mas não o foi para o sargento Ramos que no outro dia não foi mais visto comendo rapadurinhas ou amendoins e quando na hora dos exercícios físicos que nessa unidade era pela manhã a partir das 10h30min. Todos acharam estranho que o Ramos estivesse, com dificuldade e arfante caminhando em volta da pista de atletismo. E isto passou a ser norma para ele muito antes dos outros se encaminharem para a pista ele já estava lá com muita determinação em poucos dias a perda de peso já era visível a ponto de preocupar alguns colegas pois ele tinha olheiras tão profundas como um urso panda e agora vestido com uma roupa toda de plástico, para, segundo ele, fazer aumentar a transpiração, já conseguia correr algumas voltas em torno da pista.

Passaram-se os dias e quarenta quilos já tinham sido queimados pelo sargento dentro de suas roupas de plásticos seus suadores e sua obstinação de seguir em frente. Já corria dentro da unidade uma versão que o Ramos havia feito o pedido de ingresso no próximo curso de formação de PQDs e realmente depois se confirmou havia feito causando muita estranheza na direção daquela escola, pois até então ninguém da área do aprovisionamento havia feito o curso de PQD, mas disseram que a escola era aberta para todas as armas do exército, pois ao consultarem as regras viram não haver nenhuma objeção a isto, mas o veredicto ao pedido foi como que para colocar um empecilho as aspirações do sargento dizendo que ele seria fisicamente avaliado em sua própria unidade futuramente, oportunamente marcariam a data e o resultado da avaliação física seria determinante para as aspirações do sargento de rancheiro a PQD. Claro que já surgiram versões que os radio telegrafistas haviam dado com a língua nos dentes mandando em código Morse para a escola sobre a história da obesidade do rancheiro.

Mas a determinação do sargento continuava de forma implacável, por vezes passava o dia todo na pista se exercitando, consultou com militares mais experientes em capacitação física que lhe passaram truques e receitas e todos admirados e envolvidos lhe ajudavam, pois agora toda a unidade já sabia de sua determinação e dos seus propósitos e que em função de uma provocação aceitou um desafio e queria a qualquer custo se tornar um PQD.

Houve um dia em que o nosso atleta caiu na pista num esforço sobre humano lhe escureceram as vistas em função da redução significativa da quantidade quase que radical de alimentos que ele ingeria para reduzir cada vez mais o peso o que adicionado aos cada vez maiores excessos físicos lhe vinham causando um stress a ponto de chegar ao extremo de desmaiar. Socorrido e levado à enfermaria os médicos de pronto lhe disseram para ir com calma e se alimentar melhor e também esses agora se envolveram e pelo menos um enfermeiro passou a acompanhar ele nos exercícios com monitoramento de batimentos cardíacos e pressão arterial.

Alguns meses depois quando chegou enfim a data da avaliação física o Ramos estava com peso proporcional à altura fez a avaliação física que era composta de três exercícios e ele já o sabia e havia treinado muito justamente essas três modalidades a barra fixa o abdominal e a corrida, esta última 2.700 metros no tempo de doze minutos. Nesse dia toda a unidade estava em volta da pista acompanhando e torcendo por este que era no momento seu maior guerreiro, sim agora já não o tratavam por rancheiro já era considerado o herói da unidade todo mundo opinando da melhor forma de proceder neste ou naquele exercício. E para surpresa de todos que torciam e mais ainda para os fiscais que vieram aplicar a prova e que souberam do passado desse homem de seu comportamento alguns meses atrás, ele passou na prova e imediatamente seguiu para a capital federal para fazer o curso de PQD o que transcorreu sem maiores incidentes e dentro da normalidade e seis meses depois retornava triunfante com um imenso sorriso estampado no rosto mostrando para todos a insígnia de PQD colada na farda e se dizendo surpreso com o fato de ele ter sido o primeiro pára-quedista do exército da arma de aprovisionamento.

Aquele grupo de homens, que inicialmente o provocou, mexendo tanto com seus brios a ponto dele dar uma reviravolta no modo de vida, já não estava ali, mas todos os demais da unidade estavam e sentiam orgulho de ter em seu meio um homem com tamanha força de vontade a ponto de fazer esse grande esforço somente para mostrar do que a vontade humana é capaz. E agora o Ramos tinha outro estilo de vida, os exercícios físicos estavam impregnados em sua rotina diária, como ele mesmo dizia, graças aquela troça do grupo naquele dia ele havia se tornado o aprovisionador mais combatente do exército.

Diniz Blaschke – Porto Alegre - RS

Diniz Blaschke
Enviado por Diniz Blaschke em 14/04/2010
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