No abismo
NO ABISMO
Ela vagava pela rua, com os olhos fugindo de todas as direções. A chuva fina umedecia sua pele já fria.
Sentia todo o corpo tremer numa ânsia, um desejo crescente que agora lhe consumia por inteiro. Tinha que conseguir satisfazer aquela vontade ou não poderia continuar vivendo.
As pernas frágeis cambaleavam, mal conseguindo sustentar o corpo já mirrado. A escuridão crescente ia sendo pontuada pelas luzes da rua. Ela não precisaria se preocupar em voltar para casa. Não tinha mais honra nenhuma para perder na rua.
Seus passos obedeciam ao pedido do corpo e faziam um caminho já conhecido por entre os prédios decadentes, passando pelos becos imundos.
As roupas faziam seu corpo ter aspecto nojento. Tudo nela era nojento. O cabelo ruivo, oleoso e escorrido, que não via água havia um bom tempo. As roupas, que não eram lavadas há semanas. A pele, coberta de suor e lágrimas.
Não fora sempre assim. Já havia tido um lar e nem fazia muito tempo. Havia alguns meses, estava na casa dos pais, com as amigas. Tinha um cabelo bonito, bem cuidado, um corpo até mesmo um pouco acima do peso. Roupas limpas. Cheiro de frescor...
Parecia sonho lembrar daquilo. Era tão limpo de culpa e desprezo. Aquilo era felicidade. E ela nunca mais encontraria. Era o que ela mais incansavelmente buscava pelas vielas e seringas, e era aquilo do que ela estava mais distante.
Encontrou quem procurava. O cara mal encarado, de cabelo castanho, parado na esquina.
Foi até ele e pediu o que queria. Apresentou o dinheiro e recebeu um pacote pequeno.
Ali estava a felicidade forjada que ela teria por apenas alguns segundos, antes de ser novamente atirada na dor da própria inexistência. E então ela voltaria para a avenida, tiraria a blusa e ganharia seus novos minutos de alegria. Não nos braços de um estranho, mas no dinheiro que receberia, para sustentar suas ínfimas escapadas.
Não se orgulhava daquele inferno, mas não conseguia sair dali. Precisava de mais... Mais...
Depois da festa, quando o irmão de uma amiga a apresentara as pedrinhas brancas e mágicas, ela tentou voltar para a vida normal, fingir que tudo estava bem. Mas o amigo ofereceu outra vez. E ela aceitou. E com o tempo, só aquilo não era o suficiente. Sua vida fora recheada com folhas de aromas exóticos e seringas compartilhadas em lugares escuros.
Logo, não queria mais saber do namorado, nem das amigas, nem da escola, nem dos pais...
Seus pais tentaram prendê-la. Tentaram fazê-la ouvir a razão. Mas ela fugiu deles e foi parar no relento. Desde então, sua vida fora minimizada ao vício... Não importava se era a pedrinha branca ou qualquer coisa que colocasse nas veias, precisava daquelas coisas como um filhote precisa da mãe.
Arrastou-se pelo beco, com as lágrimas caindo com força pelo rosto e uma dor enorme em todo o seu ser, o animal imundo que perambulava pela selva de pedra.