A LADEIRA
Todo ano eu sempre escolhia um esporte diferente para praticar ainda que me dedicasse realmente a meu esporte preferido que é o futebol. E naquele ano decidi treinar vôlei.
Me matriculei no Ginásio Avestino Ramos, o mais conhecido e de melhor estrutura física da cidade, sempre recebia os Jogos escolares e outros eventos esportivos. Além de vôlei, basquete, futsal, handebol, o Ginásio oferecia tênis e natação.
Meus treinos eram todas as segundas e quartas-feiras, sempre à tarde, porque de manhã eu estudava. Treinava com alunos e alunas mais experientes. As alunas eram muito atenciosas e simpáticas e claro não posso esquecer, jogavam bem.
Minha casa ficava distante do ginásio, uns vinte minutos andando, resolvi começar a ir de bicicleta. Sempre que podia parava na Praça do Barão que ficava ao lado do Avestino Ramos, para jogar futebol com os amigo que estudavam à tarde na Escola Integrada outra escola vizinha do Ginásio. Mas como eu tinha doze anos, não podia chegar depois das dezoito horas em casa, pelo perigo das ruas e porque era uma ordem superior.
No fim do ano passado, minha irmã Júlia havia feito dez anos e de presente ganhou uma bicicleta. Ela usava a bicicleta apenas para brincar no quintal ou ir à lugares próximos à nossa casa, meus pais achavam perigoso pra ela, ir muito distante.
Por isso eu passei à levá-la comigo em minha bicicleta para o Ginásio, ao mesmo tempo que eu treinava vôlei, Júlia era da turma de natação. Até acho que natação foi o primeiro esporte que eu e meus irmãos praticamos, talvez muito antes do magnífico Futebol, que corre em minhas veias até hoje.
Eu procurava os caminhos meios movimentados, para evitar qualquer problema, lembro das ruas percorridas. Saíamos sempre da Rua Acézio Guedes na qual ficava nossa casa. Esqueci o nome da rua que nos dava acesso ao Centro da Cidade, porém era a primeira rua depois da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, cujo nome era emprestado ao bairro.
Toda vez ao passar em frente àquela Igreja, minha irmã fazia o sinal da cruz, eu não entendia muito de religião, mas como o resto da minha família era católica, eu repetia o gesto, menos quando passava sozinho por ali.
Atravessávamos uma pequena ponte, logo em seguida o Posto de Saúde e chegávamos ao centro pela Rua Candido Mendes, passávamos em frente à Escola José de Alencar e nosso percurso era completo, o Ginásio Avestino Ramos. E poucas vezes esse caminho foi mudado, na volta para casa repetíamos o percurso.
Uma vez naquele ano, minha mãe Raíssa, permitiu que Júlia fosse em sua própria bicicleta ao treino. Júlia ficara bastante feliz, se sentia mais livre. Pra mim não tinha diferença, continuaríamos indo e voltando juntos, somente em bicicletas diferentes. Era tudo normal, dentro do que chamo de procedimento padrão.
Em uma quarta-feira muito ensolarada, como de costume em nossa saudosa Macapá, estávamos voltando do treino, e em uma avenida que passa ao lado do José de Alencar, havia uma ladeira terrível para ciclistas, motoristas de carros e motos e também de pedestres.
Júlia decidiu descer a ladeira, eu estava logo atrás em minha bicicleta, com muita velocidade, e quase no meio da inclinação da avenida, minha irmã tentou desviar de um pneu que jazia na pista, fato que a derrubou bruscamente da bicicleta. Fiquei chocado e não consegui frear, apenas olhando a cena no fim da ladeira parei enfim e voltei correndo até minha irmã. Ela chorava e tinha um corte na testa e várias escoriações pelos braços e pernas.Não sabia o que fazer, nem quem chamar, aquilo nunca havia acontecido, e eu não tinha instrução para agir. Então alguns moradores que viram o acidente, se dirigiram para perto de mim e de minha irmã. Tiraram a acidentada do meio da pista e levaram para o pátio de uma casa logo em frente. Eu ainda estava chocado e não conseguia pronunciar nada diferente de: Ela tentou desviar !
Uma das moças que estavam ajudando me perguntou se eu morava perto dali. Respondi que sim, ela me pediu para ir para casa avisar meus pais, ela tentou me acalmar um pouco. Eu nunca descobri o nome daquelas solidárias pessoas. Nem pude agradecer o breve auxílio. Saí em direção à minha casa ainda pensando no acidente, desejei que tivesse sido eu o acidentado. Chegando em casa, chamei minha irmã e expliquei tudo, minha mão ficou muito nervosa, mas me fez duas perguntas, qual era o local e se sua filha estava bem. Perguntas respondidas, minha mãe chamou um táxi, ligando para o meu pai que estava de serviço.
Já era início da noite quando o telefone tocou, era meu pai, avisando que estava tudo sob controle, minha irmã estava hospitalizada, mas consciente e em poucos dias estaria de volta, sem nenhuma seqüela do acidente.
Foram as palavras que melhor soaram em meus ouvidos naquele dia, tudo tinha se resolvido, não pensava em mudar de caminho, principalmente optar por uma rua ou avenida com ladeira poderia representar muitos perigos.