Borboletas e Lagartas
Borboletas e Lagartas
Maju Guerra
O casal decidiu morar em outro estado, melhores oportunidades de emprego. A moça se entusiasmou com a mudança. Finalmente, uma casa, sempre havia morado em apartamentos. A casa era um espetáculo de aconchego, quando abriu o portão e entrou, sentiu-se abraçada. Vislumbrou o jardim, o pomar, brindou a um sonho realizado.
A casa não era lá muito grande, mas o jardim e o quintal, ainda que um pouco abandonados, eram bastante promissores. Depois da casa em ordem, procurou jardineiro. Encontrou seu Cícero, que desempenhava o ofício com o coração. Satisfeita, começou a ler e estudar sobre jardinagem, clima, qualidade de plantas, se preferiam o sol à sombra, se aceitavam ou não o vento, as que gostavam de mais água... Mediu os canteiros, fez um projeto bonito e interessante, compreendido somente por ela e seu Cícero, desenhar nunca foi seu forte. Imaginava o jardim como um acontecimento jamais visto por aquelas bandas. As pessoas parando para admirá-lo, comentários elogiosos, o perfume das flores se esparramando pela rua, por dentro da casa...
Com a terra adubada, começou a buscar e a comprar as mudas das plantas, não muito grandes certamente. O jardineiro lhe explicou que era melhor criá-las no lugar em que ficariam. A terra se abriu plena de boa vontade para receber hibiscos, jasmins, manacás, buganvílias, zínias, antúrios, violetas, algumas já com flores. Junto à parede da garagem, colocaram um pé de alamanda amarela. Quando crescesse e florisse, todo o telhado ficaria coroado de flores douradas.
Ela não pensava em outra coisa, não falava em outra coisa. O marido, já meio cansado do assunto, ouvia o que suportava por causa da alegria da mulher, desapontá-la seria um crime. Ao final, sua alegria se tornara de tal forma contagiante, que até ele chegou a ajudar num final de semana. Passado mais um tempinho, o jardim foi inaugurado, uma lindeza de se ver. De agora em diante, era preciso apenas cuidar da vida que havia sido gerada.
A moça e o jardineiro tratavam o jardim com mãos de fadas. Cada vez mais flores e cores surgiam, odores deliciavam o olfato de quem chegasse, a moça podia se orgulhar da sua cria, sem modéstia alguma.
Um dia, arrancando ervas daninhas junto com o jardineiro, deslumbrou-se com as borboletas de várias cores e tamanhos voando em torno das plantas, em volta dela, pousando nas flores. Parou para contemplar o espetáculo da cena. Sem sombra de dúvidas, as borboletas também se mostravam encantadas com o jardim.
Passado o momento, seu Cícero comentou que, borboletas e flores eram obras divinas, ele concordava. No entanto, ela deveria se lembrar que as borboletas deixariam seus ovos no jardim, uma questão de tempo o aparecimento das lagartas. Um ataque de lagartas estava previsto, continuou falando, ele só esperava que não fosse maciço, poderia não sobrar planta sobre planta. Já havia presenciado trágicas devastações causadas pelas lagartas. A moça se arrepiou dos pés a cabeça, não desejava nem imaginar o aparecimento de uma lagarta, ainda mais de um bando. Disse a seu Cícero, com firmeza, que seu jardim ficaria a salvo dessas criaturas. As lagartas tomariam outros rumos, havia tantos outros. Atrás da casa, por exemplo, um matagal cheio de folhagens as esperava, por que não se alimentar por lá? Que os Anjos digam Amém, declarou o jardineiro. O assunto morreu por ali.
Após umas semanas, a moça percebeu buracos nas folhas da vistosa alamanda amarela. Chamou seu Cícero, ele vaticinou: lagartas. Ela ficou parada, em estado de choque. Ao se refazer do susto, perguntou que praguicida precisava comprar para acabar com elas. De posse do nome, sentiu-se mais tranquila.
No dia seguinte pela manhã, ao chegar do comércio, decidiu vistoriar o jardim. Ao chegar perto da alamanda, o pânico a dominou. A planta estava praticamente careca, quase sem folhas e flores, uma hecatombe acontecera com a cumplicidade da noite. A moça declarou guerra aos famintos bichos sem consideração. Jurou que iria dar o troco, ora se não iria. O jardineiro lhe avisou que deveria ir com menos sede à fonte, conselho desconsiderado. Ela não se rendeu a quaisquer argumentos apresentados. Os dois findaram por encharcar todas as plantas com o remédio mortal. A ação descartou completamente a devastação do restante do jardim. Lagartas, nunca mais, ela se sentiu vingada.
Com o decorrer do tempo, a alamanda amarela refez-se, novamente debruçava-se sobre o telhado da garagem. O jardim continuou lindo e perfeito.
Um belo dia, surgiram borboletas e borboletas coloridas sobrevoando os jardins vizinhos, o matagal atrás da casa, mas não o seu jardim. A moça ficou triste. Com tanto pesticida, as borboletas não se aproximariam das suas plantas. Todas ficariam em segurança, mas a sintonia mágica de borboletas e flores também não existiria. Que dilema! Sem lagartas, não haveria borboletas. Sem borboletas, perdia-se o espetáculo insubstituível de graça e de beleza protagonizado por elas. Precisava pensar bastante no assunto, chegar a uma conclusão aceitável e justa para ambas as partes.
Seu Cícero apareceu, ela comentou sobre o acontecido e sua grande decepção. Naquele ano, deixariam de colocar veneno no jardim para matar lagartas, concluíram. Fatalmente, no outro ano, as borboletas apareceriam, em consequência, as lagartas também. Naquele ínterim, haveriam de buscar uma forma de harmonizar a existência de lagartas e borboletas. Se as lagartas fazem parte do ciclo de vida das borboletas, as coisas são assim mesmo. A sabedoria da natureza não admite discussões. Seria necessário, tão-somente, buscar o ponto de equilíbrio, porque em tudo na vida existe um.
Maria Julia Guerra.
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