Histórias de Marineusa
A Marineusa vocês já conhecem. Não? Como? Como é que pode? Que memória tão curta! Marineusa é a restauradora de obras de artes, que gastou o dinheiro do pão nosso de cada dia em uma mesa. Lembrou? Hã! Pois é, Marineusa não gosta de futebol, no futebol ela diz que é patriota, torce de quatro em quatro anos. O marido não gostava de futebol, não assistia jogo de futebol. Penso que logo que se casaram ele não tinha nem time. Como o casamento foi a ascenção e gloria do casal e também a queda. Ele foi convidado para fazer parte de uma diretoria de futebol de um time da cidade. Cargo importante, uma honraria. Isso porque o presidente do dito clube nutria um amor platônico por Marineusa, mas isso ela só descobriu depois que o apaixonado foi dessa para a melhor. Ela foi morar no norte por uns tempos e tudo é muito provisório, pois agora ela quer porque quer, comprar um aparelho de televisão tela plana e duas poltronas por conta de traumas, por adolescência e pré menopausa. Ela até conta nos dedos quando a tragédia aconteceu: foi a dezesseis anos atrás, foi ano de copa do mundo, o marido e o filho estavam assistindo o jogo, quando ela atravessou a sala. Por que! O marido reclamou irritadíssimo e o filho teve um surto psicótico e para extravasar resolveu quebrar as cadeiras francesas de Marineusa. Ela ficou impassível, o marido não se manifestou, ficou calado, pois o moleque quebrou a primeira cadeira, quebrou a segunda cadeira, quebrou a terceira cadeira. Na quarta cadeira Marineusa acordou do choque e perguntou para o moleque: está satisfeito? Pois agora você vai arrumar tudo no seu devido lugar e digo mais, amanhã vai tratar de consertar tudo. Os ânimos se acalmaram, mas a Marineusa que aceitou o chifre do marido, aliás, estes ele é quem merecia, mas não teve; pela cama de Marineusa ele foi o único que passou, o que ela lamenta profundamente. Se guardou para ele e danou-se inteira, mas aceitar a agressão do filho amado foi demais para uma alma tão torturada. Enquanto eles discutiam o jogo de futebol, Marineusa foi até o quarto e engoliu todos os sapos da vida acompanhada de uma caixa de Lexotan. Marineusa sentiu enjôo, dor de cabeça, sudorese, friagem nas extremidades, e pensou: deve ser agonia da morte, viu clarão, viu escuridão, mas sobreviveu após ser hospitalizada e entubada com uma mangueira de chuveiro. E os médicos fazendo contagem regressiva dos comprimidos, ficou em observação e foi despachada para sua casa com a recomendação médica de não pensar mais na vida. Pois ela foi para casa e pensou muito, até cair em um sono profundo que durou três dias. No quarto dia o marido de Marineusa, com sua sutileza de elefante, pois quando quer é um paquiderme, foi até o quarto e perguntou a ela: você vai ficar aí muito tempo? Ela não respondeu. Ele recomendou, levante e trate de arrumar a mudança. Ele acabara de comprar a casa dos sonhos de Marineusa. Mudança arrumada conforme ordem do seu amo e senhor. Pois agora a Marineusa resolveu que quer porque quer assistir todos os jogos da próxima copa do mundo, com direito a torcida organizada, produção, cerveja,etc, etc. Para isso ela vai precisar de duas poltronas, duas banquetas para descansar os pés e um aparelho de televisão. Tem um porém, a dúvida é se eles vão agüentar ficar sem comer uns três meses, porque se ela gastou o dinheirinho do pão nosso de cada dia em uma mesa, quanto não há de gastar nos itens acima relacionados. Diga-se uma coisa muito importante: do filho ela não guardou mágoa porque sabe que ele sofreu muito, sofreu até mais que ela com o triste episódio, mas do marido... ah, deste ela guardou. É só ele perturbar a paz de Marineusa que ela começa a sentir a mangueira descer goela abaixo.