Um homem
Um homem cujo nome não importa muito. Sessenta anos. Viúvo. O filho o abandonou quando completou 20 anos. Um ser humano não muito diferente de você ou no mínimo de algum parente seu.
Acordava pontualmente às cinco e trinta da manhã. Colocava seus sapatos engraxados marrons. Vestia uma camisa branca meio bege já gasta pelo tempo, uma calça jeans verde musgo presa por um cinto também marrom no mesmo tom dos sapatos. Tudo pronto, talco nas axilas, óculos na ponta do nariz avantajado, chave nas mãos.
Parou na padaria, como sempre ordenou um pão na chapa, o famoso canoa, sem miolo claro, acompanhado pelo café com leite pingado. Até aí nada de novo.
Realizado o ritual, foi passear pelas ruas do Leblon. Era pouco mais de 6 horas quando ele se deparou com um papel, é um papel, um papel comum, mas com um recado um tanto quanto suspeito. Ele pegou-o, olhou, pensou, dobrou e resolveu jogá-lo no lixo. Desistiu, olhou novamente, riu e não acreditou.
Ainda com o bilhete nas mãos deu uma pequena corrida e tomou o ônibus que havia parado há pouco no ponto em que estava próximo. Sentou-se no banco especial para deficientes apesar de não sê-lo. Por mais uma vez leu o papel.
Poucos metros dali ele levantou, fez sinal para que o motorista parasse e desceu do veículo. Andou mais duas quadras e lá estava o número 29. Apertou o interfone e em menos de 1 segundo a porta automaticamente se abriu como se alguém já esperasse por ele. Subiu três lances de escada.
Ele se sentia um tanto esquisito por ter saído de sua rotina. Ainda pensava em voltar pra casa.
Um homem que vestia roupa igual a sua abriu a porta que era preta com maçanetas douradas. O homem o convidou para entrar. Ele ainda não tinha visto o rosto do homem misterioso. Entrou pelo apartamento que de fora parecia pequeno, mas dentro era grande e cheio de livros antigos tomados por cinzas. Sentou numa poltrona de couro marrom, o homem sentou em sua frente. Agora podia ver bem seu rosto, era velho e com rugas, barba falha e óculos apoiado sobre o nariz avantajado. Olhos sem brilho, lábios sem cor com blusa esgarçada pelo tempo. Ele tomava um café com leite e pão na chapa.
Estranhamente sua face estava turva, parecia empoeirada. Tentou focar mais o olhar naquele homem. Já estava ficando impaciente por ter saído de sua cômoda rotina. Mais uma olhada e percebeu que o homem daquela casa era igual a ele. Ficou atordoado, queria explicações, o homem nada respondia, começou a enforcar o senhor idêntico a ele. O papel caiu no chão. Estava escrito "Venha e encontre quem você perdeu".
Só quem é capaz de deixar a massacrante rotina consegue encontrar consigo mesmo.