Aladim

Ninguém acerta os números premiados da loteria federal. São singelas dezenas jogadas por uma multidão de postulantes, todos esperançosos, amontoados em filas enormes atrás de uma reforma na casa, um carro novo, um sobrado na praia, uma viagem pelo planeta ou o que as suas vaidades lhes sugerissem.

Terão de tentar na próxima vez o acúmulo do sorteio: uma soma deveras significativa. Os gananciosos investirão pesado e os modestos seguirão com seus simples volantes. O enriquecimento é o assunto corrente. Milhões de apostadores discutem por todo o país o destino da verba: os ricos vão querer expandir seus negócios, os jovens vão querer conquistar o mundo; as mulheres, ficar belas e desejáveis; as crianças, construir fábricas de chocolate; os preguiçosos, parar de trabalhar e os pobres não serão mais os mesmos.

Aladim se põe a pensar, envolvido na questão. Um prêmio destes modifica a vida de alguém para sempre. O vencedor será mais benquisto, a ganhadora terá o dobro de pretendentes e a segurança dos dois estará à mercê de maiores perigos. Quem ganhar terá um futuro completamente diferente e disso ele não duvida: ganhar na loteria é como achar a lâmpada maravilhosa. O felizardo vai ter fama, fortuna e poder. Mais do que isso: vai viver entre sorrisos, tapinhas nas costas, tapete vermelho, tratamento especial; vai ser elogiado, admirado e querido. Logo vai querer, sem poder, o que o dinheiro não pode comprar. Se incorrer no pecado do perdularismo vai conhecer dois rostos na mesma moeda: o da pessoas verdadeiras e o dos falsos profetas, que lhe virão sob a aparência de cordeiros mas serão lobos vorazes.

Aladim se vê alçado à condição de benfeitor geral da nação. Poderia multiplicar em centenas os três pedidos ao que o seu portador teria direito: a plástica para a moça linda que se acha feia, mansões e fazendas para reunir as famílias e os amigos, carros para os jovens e jatos e helicópteros para buscar os distantes. No fim, todos continuarão os mesmos.

Do seu lugar, Aladim vê a fila andar. Vê gente com jeito de doido e pensa o dinheiro nas mãos erradas. Um médico passa por ele e vê um hospital com mais empregos e mais saúde para o bairro. Vê um bêbado e pensa no desperdício. Imagina diferentes tipos de pessoas, o que fariam de fortuna na mão. Lembra-se dos simples cientistas, descobridores, batalhadores, que talvez nem apostassem, enfiados nas suas labutas. Lembra-se deles saindo do nada, saindo do pouco, para entrarem na história. Pensa se seus destinos seriam os mesmos se eles se tornassem milionários.

Munidos da lâmpada e sob o direito dos pedidos, Aladim veria um mar de homens e mulheres investindo no concreto e queimando seus milhares em beleza e ostentação. Veria gente pedindo instrução sem pedir os livros, pedindo fortuna sem pedir trabalho e pedindo conforto sem pedir disposição. Veria gente doída querendo respostas sem compreender o que sentem e sem meditar em seus propósitos. Veria gente atalhando a vereda da sua existência por puro comodismo, sem buscarem os seus porquês.

Calmo, Aladim vê passar um desfile de carros e gente de todos os tipos. Parecem não se importar com a sua presença, aquela gente pouco cortês, que passa ao seu lado sem nem um sorriso. Um senhor lhe pede uma informação, olhando-o duas vezes, com alguma impressão. Um nenezinho fixa o olhar na sua direção, de dentro do carrinho, admirando as suas feições. Aladim acha graça e lhe faz uma careta. Depois vai com suas passadas de volta para a sua prisão, onde é mantido em regime semi-aberto. Por seu crime fora isolado em cárcere privado e aguardava em julgamento o destino do seu futuro. Este dependia de serviços prestados à comunidade. Então, em liberdade, saía pelas ruas à procura de benfeitorias.

No cárcere, Aladim está triste. Solitário, sem perspectivas. Andou pelo povo outra vez, sem encontrar alma pura que desse alento à sua história. O dinheiro era tema reinante; projetos, planos, preconceitos. O prêmio acumulado, que todos queriam ganhar. Etapas, que todos queriam pular. Comprar em dinheiro o aprendizado que teriam que passar. E o intangível, o impalpável, ficava de esconso em beatos, homens santos e foras-de-série. Sua procura restringia-se apenas entre o populacho, feito garimpo de agulha em palheiro. E era um martírio, andar por entre o medíocre e o fútil, a ganância e o banal. Com seus dotes de gênio não pescava uma curiosidade, um interesse ou uma qualidade que não tivesse ligação monetária.

De lá de dentro, encarcerado, Aladim pensava na sua salvação. Aonde encontraria a alma cheia de virtudes da qual precisava para se ver livre de sua pena? O que pediria da lâmpada? Amor? Não, certamente seria uma pessoa amável. Força? Também não, por que os céus o protegeriam. Fé? Tampouco, pois o amor já acredita em tudo. Dinheiro? Não, nada material. Uma pessoa virtuosa optaria pelo enriquecimento interno e não pelo mundano, mas não o pediria por que o aprendizado não se tem de uma só vez.

No dia seguinte, sorteio da loteria federal, Aladim descobre o ganhador do prêmio acumulado. Um rapaz de classe média que torraria sua fortuna vida afora, desvirtuando-se das pretensões dos senhores do seu destino. Da modéstia se torna prepotente e arrogante, abandonando seu dinheiro como se fosse nada. No trem da sua cidade fora descoberto uma mala apinhada de cédulas graúdas, uma boa soma que as más línguas diziam ser do novo milionário. Alheio, o jovem maquinista, descobridor da pequena fortuna em um de seus vagões, devolveu o dinheiro intacto. E assim, Aladim, o gênio aprisionado na lâmpada pelos Deuses da Justiça pelo crime do materialismo, encontra no maquinista a virtude que precisava. Num belo dia o jovem condutor dos vagões encontra também uma lâmpada mágica e faz três pedidos: serenidade, para que ele aceitasse as coisas que ele não podia modificar; coragem para modificar as que ele podia e sabedoria, para que ele distinguisse uma das outras. Depois do pedido, Aladim viu-se livre para sempre.

Paulo Sartoran
Enviado por Paulo Sartoran em 05/04/2010
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