Dias Difíceis

Peguei minha mala pequena e saí daquela casa chorando. Não podia mais viver ali, e também as lembranças insistiam em voltar. Dizem que homens não choram, mas eu choro. Já se passavam trinta e três dias e o meu sofrimento ainda não tinha diminuído. Desde o acidente, minha vida mudou bastante. Não sentia meus pés no chão pra poder caminhar firme novamente. Mas mesmo assim, saí, sem saber pra onde. Estando em cima da moto minhas mãos que me guiavam. Pensei em pegar a estrada e seguir para uma outra cidade, um outro estado talvez, mas só conseguia pensar em uma coisa, principalmente quando eu via uma viatura da polícia, eu me lembrava do acidente e me despencava a chorar. Passei em frente à biblioteca e parei. Escolhi um livro de poemas e fui até a uma praça próxima lê-lo. Leio poemas quando estou mal. Poemas realistas e pessimista me fazem bem. Me faz sentir vivo, coisa que eu não estava me sentindo.

Além de alguns casais na praça namorando, havia também um grupinho de jovens queimando um baseado. O cheiro não me incomodava, aliás, nada me incomodava que vinha de fora. A ferida era por dentro, e as vezes, só diminua quando não tinha mais lágrimas para derramar. Fiquei ali, sentado, num banco sozinho lendo os poemas. Reparei que uma moça bonita sentada a minha frente me olhava. Usava uma saia curta e tinha lindas pernas. Qualquer pessoa acharia ela bonita, mesmo qualquer outra mulher também acharia ela muito bonita. Mas eu não tinha vontade de tê-la para mim. Não tinha vontade de fazer nada depois do acidente, apenas ficava no meu quarto, chorando e lamentando.

Depois de alguns minutos sentado num banco duro de concreto chegaram dois policiais de moto. Eles passaram por mim e olhou bem nos meus olhos, talvez tenham desconfiado por eles estarem muito vermelhos, mas abordaram o pessoal que estava fumando maconha. Fiquei observando sem deixar eles perceberem que eu olhava e vi os tapas que os rapazes levavam deles. Os policias batiam muito e xingavam muito também. Fiquei com medo de ser abordados por aqueles tiranos e levantei para ir embora. Demorei, fui surpreendido.

- Coloca a mão na cabeça!

Estava assustado e não ouvi direito o que ele disse.

- Coloca a mão na cabeça, seu vagabundo!

- Eu não sou vagabundo.

- Não?!...então o que faz na praça neste horário?

- Só estou lendo um livro e atualmente estou desempregado.

Me revistaram e não acharam nada.

- Cadê o bagulho, seu parasita? Disseram.

- Eu não tenho nenhum bagulho.

- Esta praça está manjada, rapaz, só vem marginais aqui.

Marginais, bandidos, corruptos, irresponsáveis tem em todo lugar, inclusive fardados. Tive vontade de dizer isso mas não tive coragem.

- Este capacete é teu?

- Sim.

- Você está dirigindo moto de chinelo?!... você sabia que está infringindo a legislação de trânsito e pode levar uma multa por isso?

É claro que eu sabia, e sabia também que ele não poderia me multar por eu não estar com a moto em movimento.

- Escuta aqui, seu parasita, hoje é teu dia de sorte, disse o policial, eu tenho certeza que, seu eu for até onde tua moto está, aposto que encontrarei mais irregularidades. Mas agora presta atenção, você pega esta moto e vai embora empurrando, ouviu? E agradece este presente que estamos te dando.

Fiquei calado.

- Não ouviu, seu marginal?! Responde!

- Sim, ouvi.

- Diga sim senhor!

- Sim senhor.

Ai de mim seu eu não respondesse assim. Tinha vontade de dizer muita coisa para esses policiais, mas não disse.

- Ô Tavares, eu estou sentindo que vamos encontrar esse parasita na rua montado na moto. O quê você acha? Disse um policial para o outro.

- Coitado dele se isso acontecer!

Riram e foram embora. Não tive medo das ameaças. Só tive vontade de chorar outra vez. Mas não chorei. Devolvi o livro na biblioteca e desci a avenida da Saudade rumo a Marechal Rondon. Queria sair desta cidade o mais rápido possível e só voltaria dentro de um caixão para ser velado. Uma vez, meu pai me disse que eu só seria feliz num lugar tranquilo, bem longe do tumulto das pessoas. Perguntei onde seria este lugar e ele me disse que quando eu crescesse iria encontra-lo. Pronto, eu cresci e agora preciso encontrá-lo. É para lá que vou. Mas para onde?

Estava montado na moto, acelerando, quando os mesmos policias encostaram, e pediram para mim parar.

- Você acha que estamos de palhaçada? Hein, seu cretino. Não entendeu o que dissemos, era pra você ir embora empurrando.

Viram que os pneus estavam carecas e que minha CNH estava vencida.

- Você cometeu infração gravíssima com sete pontos na carteira por estar com a CNH vencida, mais quatro pontos por dirigir de chinelos e mais cinco pontos pelos pneus carecas. Vamos apreender seu veículo e sua carteira de habilitação.

Esperei o guincho vim buscar a moto e assinei uns papeis. Fui embora. Caminhava sem direção, estava perdido, estava, enfim, sem nada. Outra vez senti vontade de chorar, mas segurei. Levaram minha moto, há duas semanas perdi meu emprego, há um mês perdi minha mãe, meu pai, meu irmão e minha noiva grávida num acidente de carro por culpa de uma viatura policial em alta velocidade na estrada. Apenas eu sobrevivi. Queria dizer muita coisa para esses policiais, mas não disse. Nada que eu fizesse diminuiria o meu sofrimento. Talvez só com um tiro no coração. Um tiro certeiro.