O Momento tem Metáforas

Ando no meu dia por tantos caminhos, é tanto o que faço, é tanto o que digo, é tanto o que escuto.

Um tempo que se esvai, por vezes inutilmente a contemplar o caminhar de tantos que fogem, buscam e negam: sorrisos, lágrimas e atitudes.

Agora sou eu, meu desejo adiado de embriagar-me de vinho em prol de acordar inteira, mesmo que de pedaços colados pelo navegar da noite.

Moçambique, Tunísia, Cabo Verde, Porto, Lisboa, Israel e Milão...

Perco-me a todo instante neste voo cego, por todos os países percebo as mesmas emoções coincidentes, tantos desalentos que mudam apenas de sotaque.

O telefone toca, um convite sutil pelas saudades que deixo na realidade de alguns, que importa! Vou, não vou, escuto enquanto penso, o respirar, as gargalhadas, olho ao redor os risos de uma garota e sua amiga e suas intermináveis novelas globais. o latido sutil do cachorrinho, os gritos da menina correndo pela casa, o cheiro do bolo de chocolate que vem da cozinha.

E rapidamente eu respondo para a voz ao telefone, não vou, obrigada.

Para que? Se vou contemplar mais desalentos, se tudo o que preciso, se tudo o que é inteiro e que me pertence, verdadeiramente está aqui por perto.

Entro num canto virtual qualquer, estudo enquanto isso mais um oi , um até logo ou um suspiro virtual de saudades

E mais uma ligação! essa nem mais atendo.

Agora depois de virar o mundo que gira em torno de mim e de girar no universo de cada um fico a refletir, gosto de ficar assim num tempo de sentar num sótão qualquer perdido no mundo, a olhar pelas janelas e a imagem que mais combina com tudo isso é a certeza de se ser "one and only”

Penso nas afinidades eletivas e no pavor que paradoxalmente desperto.

Sinto um cansaço enorme, uma vontade pura de deitar a cabeça num ombro qualquer, onde não tenha necessariamente de acabar de outro jeito que apenas em puros gestos de amizades.

Onde possa falar sobre o que sinto, pressinto e percebo em mim em todos sem que isso não signifique mais do que apenas isso mesmo.

O sono vem sorrateiro, ao fundo, a música pausada de Tom Waits - "closing time", embala-me as lembranças.

Uma voz que parece tripudiar sobre as sensações que cria, quase a advinhar como me sinto agora:

Com uma vontade enorme de rir e não mais sorrir.

Por dentro, no íntimo uma penumbra, sombra que me refugio, onde volto para descansar.

Onde não sou criança, não sou adulta, não há cobranças e posso chorar baixinho até adormecer.

Onde volto a ser o outro sonho - O ser por sobre a areia, sob ti, a contemplar sobre nós o céu de veludo daquele deserto.

Olhando e contando intermináveis estrelas de momentos inacabados.

De um lado um mar, do outro o vento trazendo o cheiro de um campo de hortelãs.

Ao longe muito longe, o som de uma harlley 1100 azul.

E no mar abre-se novamente um abismo, onde te perdi.

E agora lembro "que quando o corpo não é inteiro, o amanhecer é algo distante", uma verdade, por vezes, esquecida.

E começo a crer naqueles que têm a mania da certeza.