Bixiga - uma breve história...

O bonde de nº 5, já se posiciona na praça das Bandeiras, pronto para a sua curta viagem. Alí é seu início e o final de seu itinerário que segue pelas ruas Santo Antonio, Major Diogo, São Domingos, Conselheiro Ramalho até atingir a avenida Brigadeiro Luiz Antonio, retornando pelas ruas Ruy Barbosa, Manoel Dutra, novamente pela Major Diogo e, dobrando a rua Santo Antonio, atinge novamente a praça das Bandeiras.

O breve percurso, sempre por ruas com calçamento de paralelepípedos, me permite uma visão eufórica e nostálgica dos lugares e construções pelo caminho. O pequeno espelho d'água, em forma de uma gravata borboleta, cuja passagem se dava exatamanete no nó, era pouco observado pelo pedestre mais distraído. O velho Teatro de Alumínio, alí instalado pela veterana Nicete Bruno, apresentou belas páginas do teatro de revistas, com coristas e bailarinas sensuais em seus rebolados.

Um pouco mais acima e próximo ao viaduto Jacareí, ficava o parque infantil, obra do prefeito ou governador na época, não sei, Jânio da Silva Quadros.

Segue o bonde em seu quase lento trafegar pela leve subida da rua Santo Antonio, agora ladeada pelas casas que se tornariam tempos depois em cortiços e malocas, habitações coletivas das inúmeras famílias mestiças das terras do além mar. Eram portugueses, italianos, espanhóis, japoneses, enfim, migrantes em busca de um novo eldorado.

Por minha conta, considero como virtual fronteira o cruzamento da rua Santo Antonio com os viadutos Nove de Julho e Jacareí e, a partir daí, o 'território' do Bixiga se apresenta com suas características edificações. São casarões com arquitetura da 'art noveau', em geral com platibandas decoradas e 'pé direito' elevados.

Calçadas largas com sarjetas em pedra de rocha bem talhadas, todas as ruas deste meu itinerário são características e perfeitamente iguais, variando vez por outra com um adorno aplicado pelo morador que poderia ser lajotas, pastilhas ou outro qualquer adereço.

Velhas padarias, alguns botequins, quitandas, loja de aviamentos, oficinas mecânicas, empórios e mercearias, fármácias e lavanderias, o Bixiga é pleno e suficiente em sua economia interna.

Bairro de comércio diversificado, abrigou espaços para a cultura como colégios, teatros e cinemas e não desmereceu a fé, com os ritos das festas e celebrações da igreja da Acchiropita.

O esporte estava bem representado pelo campo do Boca Juniors e o carteado clandestino rolava solto em algumas casas suspeitas do bairro. Mas, quem se importava se, até o delegado por lá aparecia para fazer uma 'fézinha'.

Inserido no bairro da Bela Vista (este o oficial nome), a alcunha de 'Bixiga' é disputada por ruas e travessas e até avenidas que cortam a localidade, sendo muito comum seus moradores dizerem que são oriundos do 'Bixiga' e não da Bela Vista. Questão de orgulho.

Nasci na rua Santo Antonio, na casa de nº 870 e lá, viví toda a atmosfera que o popular bairro emanava nos tempos de poesia e das histórias que muitos contam, iguais à esta, vividas nas décadas de 1950 e 1960, as quais conto aqui.

São Paulo tem, para alguns de fora, a alcunha de 'túmulo do samba' mas, quando se trata de samba exaltação, sincopado ou canção, os versos mais fluentes e líricos emanam de compositores que se inspiraram nas ruas e travessas do Bixiga e nos presentearam com as mais belas pérolas do cancioneiro popular brasileiro.

Salve Adoniran, Germano Mathias, Paulo Vanzolin, Eduardo Godim e tantos outros que transformaram seus versos em hinos de amor e cumplicidade.

Assim é o Bixiga. Uma breve história mas, que tem muitas histórias para se contar.