Vida e Remédio

Se fosse para resumir a minha vida em um quadro, poderia-se pintar um garoto dentro de um carro olhando para trás, com uma expressão tristonha. Creio que essa tenha sido uma cena recorrente em meus primeiros treze anos de vida, e pode se repetir mais ainda; agora não mais como um garoto, e sim como um "quase-adulto".

"Você mudou e muito." disse a psiquiatra. De fato, eu mudei. Ela que vêm me acompanhando desde os tempos negros do começo de minha depressão, cinco anos atrás, sabe até mais do que eu sobre isso. Mudei alguns conceitos sobre a vida, parei de achar que meu mundo poderia acabar por causa de outra pessoa e, principalmente, estabeleci objetivos e corro para conquistá-los.

A história parece começar na sala de cirurgia, quando a enfermeira coloca aquela lona quente por cima de minha cabeça, só deixando um buraco para poder furar no lugar certo. "A anestesia vai funcionar no local e você não vai sentir nada." De fato, não senti, porém o ar-condicionado não funcionava. Eu sentia mais calor do que dor. Apesar de ela falar que a anestesia cobriria qualquer dor, a anestesia em si já é um pouco dolorosa. Bem, levar uma injeção na cabeça nunca é prazeroso.

Depois daquela, foram mais duas cirurgias nas próximas duas semanas. Eu estava com meningite bacteriana, e havia infectado a válvula em minha cabeça, logo eu não poderia continuar com aquilo sem funcionar. A prova se deu quando um coágulo começou a se formar no local da cirurgia. Lá fui eu ter a porra da minha cabeça furada por uma agulha novamente, e aquilo sim doeu. Pra cacete.

Alguma temporada de sofrimento, ligações clandestinas para a namorada escondida e punções lombares ocasionais se passaram.

Minha mente parece bloquear um pouco, mas naquela época eu tomava uns remédios bem fortes. Lembro-me de sentir uma sensação de extrema segurança e de não parecer nem um pouco depressivo, quando estava longe das pessoas que conhecia. Não tinha muitos amigos verdadeiros naquela pequena cidade de Umuarama, e sofri devido a isso. Eu não estava pronto, também, para interagir tanto com alguém a ponto de confiar-lhe meus mais íntimos segredos. Diabos, muito menos minha namorada suspeitava de coisas que eu sentia e vontades que eu tinha.

Tentei me matar duas vezes, antes disso. Da primeira, peguei uma faca e fiquei me olhando em frente ao espelho. Imbecil, eu sei, pois não estava pronto para enfiar aquilo nem mesmo na minha orelha. Na segunda, tentei prender meu ar com o travesseiro e morrer asfixiado. Isso só mostra o quanto minha imaginação era fraca e o quanto minha covardia era grande. Ainda bem, entretanto, que não segui em frente procurando alternativas, e nem li Schopenhauer durante este tempo.

As coisas não melhoraram muito quando me mudei para São Paulo. Continuei sem muitos amigos, apesar de, desta vez, ter entrado no colégio no começo do ano letivo. Tive dois amigos que considerei extremamente importantes naquela época, apesar de um falar muita besteira e outra considerar meu maior temor - as ciências exatas - uma coisa fascinante. Foi um período de grande aprendizado e que significou, sem dúvida, o meu comprometimento com a minha vida.

"Como você mudou", diz a psiquiatra.

É, eu mudei. Mudei bastante, e saí de São Paulo para Londrina. Mais uma mudança, e espero que com um final feliz. Estou focado nos meus objetivos, e posso andar com minhas próprias pernas e sem remédios.

Rafael Leon
Enviado por Rafael Leon em 02/04/2010
Código do texto: T2173208
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