Corrida De Bicicleta
Aqui estou entre as suaves sombras da vegetação. As folhas e flores das árvores como se também em movimento, apostam corrida lado a lado. O bangalô da Luciana, mais adiante o sítio da Dalma. Há dois quilômetros estou a pedalar nesta alameda de Pinheiros, chão poroso de floresta, crepúsculo: pássaros e insetos. Mais mil metros, pego o atalho, volto para casa.
Tempo, tempo, agora sei melhor essa coisa da 4ª dimensão. Manifestas oscilações dos poros, suprema beatitude, quando não, as sensações triviais da normalidade ou as menos ocasionais da danação. Querer que o passar não passe, Mas passa. A suavidade das asas nuas, flana fluente no módulo compasso. Acompanha esse coçar e trair com que se abrem e retraem joelhos quase trêmulos de graça. Querer parar este instante para nele abrigar-me de tudo o mais da matéria mais densa de que é feita a fugacidade.
Fazer parte dessa transparência lunar. A tranquilidade da paisagem passando através da tênue imaterialidade dos pensamentos. A pomba-gira Terra girando comigo, filho da mãe privilegiado, a vestir roupas tecidas com fios de nuvens. Minha calça de poeira, não conheço mais ninguém com roupas desse tecido. Os cabelos longos, a barba por fazer. Metáforas de teias, submarino amarelo navega em direção à calcinha verde-rosa da bendita vadia ao lado. Um pedaço do céu desenha-se na pracinha à beira-mar, o muro baixinho caiado de branco e blue.
Nenhuma cor destoa de toda esta natureza lentamente branda, grave muitas vezes, ainda agora tão suave molto-presto. Pedalo, dédalo, essa profusão de sensações orgíacas, harmonicamente dissonantes. Desejo incluir-me para sempre nesta paisagem. O pé sobe e desce dos pedais, ritmo de sinfonia mozarteana, pleno andamento alegro vivace. Tempero os músculos das coxas em sol menor. Ao lado, o Adagio Albinoni aquece a batata das pernas dessa fada. Vontade de malhar o cravo nos poros porosos pelos, pele tecida de mel.
Destruição de lenços de seda pela tempestade de pó, como diria Kerouac. A sensação de estar livre das trapaças, manhas, mentiras e dissimulações dos que se sentem felizes. Apenas estou passageiro da dimensão poética da sensibilidade extra-sensorial. Um profeta ambulante da raça, quem acreditaria nisso em sendo passageiro da normalidade??? Andante cantabile, estrada polifônica. A selva eriça-se no impulso instintivo, supostamente amável.
Minha vadia segura a batuta adolescente em dó maior, KV-457. Não querida, não é nenhuma rodovia. Sim, isso mesmo, aquela sonata em dó menor, aberta em meio à estrada dessa carne de acne. O cravo a penetrar menos lento. A batuta destra, inefável, delícia com que sopras a Flauta de Pan. O opus dessa sonoridade a pulsar através dos grandes lábios chuviscados, planta carnívora, oráculo, ora da refeição. Já agora abrem-se supostamente incontidos, minueto andante, multimídia de recursos, a ferramenta sensual roça persuasiva a infinita orquestra celular no lar de células dessa sardenta manhosa.
A vernácula emite expressão aglutinante, em ritmo mais lento agora. Ainda não é hora de se transtornar em uivo. Temos todo tempo do mundo. Não vês? Assunta esse sair/entrar, fidelidade antropofágica, movimentos em sequência polifônica. Esse roçar de pelos neste selim intencional. Ah, componho, com ponho entre, pentelhos. O pomo de Adão eriça-se nesse quadro arqueado do corpo, o músculo salta da boca, passeia serpenteando o rosto, penetra ouvidos, narinas, traz um pedaço abençoado de meleca a se grudar na ponta da língua.
O raio da roda do tempo orquestra romanescas novilíneas: night, night, night. Bendita obsessão paradisíaca, a entrar e a sair, pudesse nunca cessar ir e vir, neste vinco, a fosfórea fosforescência do obelisco banhado de sol ao amanhecer. Bodhisattva, Brahmã, Enky, Hanuman, Trismegistos, Lao-zi, Quetzalcoati, Vidyãdhara. Filha d’África, divindade dos bagos, obra de Zeus e de Hera, neta de Cronos e Réia, metáfora de todas as vacas do mundo. Rabo de Ra, Pavão Perez abrindo-se anima, testosterona, ancoragem fera. Eva troglô, avoenga pornô, amante existencial, musa ficcional, delícia de tato sentir os ossos de sua bunda. Desejo atual, carência de paraíso, bendita cloaca existencial do mundo globalizado pelo CO2: sem sentimentos de culpa, satisfação, prazer, suavidade, euforia, otimismo.
Inconsciente coletivo da libido. Vida anima condicionada, “Ímã bendita, santa mãe, espírito da fonte, do jardim. Não nos deixeis zombar de nós próprios com falsidade. Ensinai-nos a cuidar e a não cuidar. Ensinai-nos ficar sentados, quietos, mesmo em meio a estas rochas. Seja a nossa paz Sua vontade. Orelhona, magnética espírito do rio, espírito do mar, não deixeis que eu seja apartado. Fazei com que meu grito chegue a vós” através dos pelos, cromossomos e gônadas. Vampe neo-pós-moderna de todas as experiências pornôs, fêmea neo-pós-antropoide, modelo anorexa.
Animismo, realismo artificial, espelho andrófago primata. A poesia de Kerouac. Personagem informatizada de tempos demais anteriores ao milênio. Coração da Gira antecipando o pânico do século XXI. Ahh, o amor. Amar, eterno tesão de testículos empedernidos. Infinitos, enquanto duros de moer, a buscar e rebuscar madonas cavernas telúricas. Ah, o Amor:
Cemitério populoso da podridão
A carícia dos heróis vendados prisioneiros dos postes
Vítimas dos assassinatos aceitas nesta vida
Esqueletos cambiando dedos e juntas
A carne trêmula dos elefantes da gentileza
Sendo despedaçada pelos abutres.
Medo dos ratos espalhando bactérias
A fria esperança do gólgota pela esperança do ouro
As delicada imagens de cola dos cavalos marinhos
Ah, o amor:
Seres assustadores, encantadores, ocultando o sexo
Os pedaços da essência de Buda congelados
E fatiados microscopicamente nas morgues do norte
Destruição de lenços de seda pela tempestade de pó
Os pomos do pênis a ponto de semear
Mais gargantas cortadas que grãos de areia.
Beijar minha gata na barriga
A suavidade de nossa compensação.
Sentiu, ontem, ao transar com ela, essa desatino, ação harmônica de Sinfonia dodecafônica. Talvez a libido esteja em melhor momento. O pênis canta a canção da Terra. A batuta rege incansável, a filarmônica de espermas. Não quer antecipar o que vai rolar hoje na cama. Por vontade própria, um "molto maestoso", semelhante às noites homéricas dessas últimas cinco semanas, quando o vivace orgasmo pianíssimo fez implodir o coração do casal a pulsar uníssono no clímax paixão.
II
Salviano diminui o ritmo nos pedais na bicicleta ergométrica recém comprada. Não sabe ao certo a coisa que motivou toda esta incrível sequência de insights. Terá sido o arranca rabo com Angélica? Ela não se conformava com o local escolhido por ele, próximo à janela da sala. Tão desejada ergométrica, agora conflito.
— O lugar mais apropriado para esta bicicleta é o quarto. A opinião granítica dela não mudou.
Ele gosta de pedalar enquanto olha as luzes da cidade do décimo andar. A paisagem cinza do Jardim, a atmosfera poluída, o ar de partículas luminárias de néon “Blade Runner”, néon América, provocam nele uma certa melancolia acompanhada de provisória euforia muscular. Como se estivesse usando anabolizantes para estimular continuamente a força dos músculos.
Até lembrou surpreendentemente, do nome de várias divindades do conhecimento e da escrita. Citou versos de Kerouac. Mas ele, um filho da mãe orgulhoso, não dava o braço a torcer. A bicicleta, ficaria aqui, próxima ao janelão da sala. Agora, depois desse desdobramento perceptivo, que não sabe ao certo como aconteceu, todas essas sensações em sequência inusitada, deseja apenas que possa acontecer de novo.
Talvez tenha sido efeito da dose dupla, após a sauna, deste uísque comprado por importado, mas bem que poderia ser "made in Paraguai". Quer acreditar: todas as pessoas têm momentos em que a onda, a deitar e rolar pela praia, é o oceano inteiro:: delícias e abismos.
—Angélica, querida, sussurra, enquanto desliza a toalha pelos braços a enxugar a salinidade da transpiração. Aumenta a tonalidade da voz: “Se for para o bem de todos e felicidade geral do tesão, a ergométrica fica aonde você bem quiser”.
—No quarto, querido, no quarto.
—Isso mesmo, garota, isto mesmo. E pensou de si para consigo: é emocionante saber como as mulheres se esforçam na criação de conflitos. Talvez seja um atavismo. Preciso aprender a lidar melhor com isso.
—Que você disse?
O coração bateu selvagem: tcham tcham tcham tcham tcham! As pernas haviam, provisoriamente, saído da inflexibilidade mecânica dos movimentos, e começaram, não mais que de repente, a pulsar na dimensão do ritmo harmonioso, infantil e supostamente selvagem do rebolado incontido dessa Menina Solta, Aahhhaaah.
—Te amo amor, replicou interativamente, enquanto ideoplasmizava a imagem tvvisiva das garotas de programa dançando Can-Can atrás da máscara rotineira nos palcos dos programas de sofá. Dos motéis à Carcará.