O Boticário mercador de venenos

__ O que leva um homem a ganhar a vida como você? _ Perguntou Diógenes Alec Sander.

O homem com quem ele estava conversando era conhecido apenas pelo apelido; fora indicado por um colega de partido.

O outro respondeu:

__ Minha motivação é exatamente como a sua. Dinheiro.

Diógenes sorriu e recostou no banco do carro onde ambos estavam; haviam marcado o encontro da forma mais discreta possível; Diógenes ocupava um cargo político na câmara de vereadores de um pequeno município do estado do Rio de Janeiro, havia sido eleito depois de um pleito conturbado por várias suspeitas de manipulação e agora estava tendo problemas para lidar com um grupo de chantagistas da oposição. Seu nome estava exposto em todos os jornais e ele vinha sendo rotineiramente ligado a escândalos relativos a desvio de verbas públicas, porém os advogados de Diógenes estavam sendo muito hábeis em manipular o sistema em favor do acusado. Mas as provas apresentadas contra ele ficavam cada vez mais fortes e em pouco tempo seria execrado pela opinião pública, pela mídia e pelos outros colegas de partido; provavelmente enfrentasse um processo jurídico por improbidade administrativa, uma forma educada de se rotular a desonestidade.

A única saída possível que Diógenes conseguia conceber era dar um fim em seus acusadores; calá-los por completo, pelo menos o pior deles. Seu maior adversário político.

__ Tenho acompanhado o desenrolar dos atos sobre sua pessoa._ falou calmamente o motorista do carro.

Diógenes respondeu:

__ Por isso preciso de seus serviços; você foi muito bem recomendado; falaram-me de sua descrição e gabarito, mas confesso que fiquei curioso para saber o que você faz de verdade.

__ Eu faço pequenos milagres.

__ E quanto custa estes “milagres”?_ perguntou o vereador.

__ Depende do resultado que você espera alcançar.

__ Preciso calar uma pessoa, mas não sei como fazer isso.

O Motorista se contorceu no banco e virou-se para o banco de trás, de onde tomou uma pequena maleta.

Ele perguntou:

__ Por que não usa o método tradicional?

O vereador se sobressaltou.

__ Não posso. Já estou sendo implicado no processo, se meus opositores morrerem violentamente, todos vão fazer a ligação com meu nome, quero algo mais sutil, por isso procurei você.

__ Entendo.

Diógenes prosseguiu:

__ Se fosse sob outras circunstancias, eu já teria acionado meus contatos no submundo, mas do jeito que as coisas estão, seria claro de mais, muito óbvio e o ministério público cairia sobre mim como um bando de tubarões. Não posso arriscar macular minha trajetória política agora, pretendo me lançar à deputado estadual e em seguida ao senado federal.

O motorista abriu a maleta.

__ Vamos ao negócio._ ele disse.

Dentro da maleta haviam vários pequenos frascos contendo líquidos coloridos e incolores, parecia uma grande coleção de perfumes; os tamanhos eram sempre entre médio e pequeno, nunca grande.

__O que são estas coisas?_ perguntou Diógenes.

__ Milagres engarrafados.

O vereador já tinha ouvido falar sobre a forma de agir do homem que ele estava contratando, mas as informações eram muito escassas e desencontradas.

__ O que exatamente você faz?_ Indagou o político.

__ Eu preparo e vendo venenos.

__ Como assim? Você é uma espécie de alquimista ou algo do tipo?

__ Eu prefiro o termo Farmacêutico.

__ E isso dá dinheiro?

__ Você não imagina o quanto. É impressionante o quanto as pessoas pagam para se livrar de “problemas” particulares indesejados, mas isso você está prestes a descobrir.

Diógenes achou aquilo interessante, afinal de contas um veneno potente poderia ser ministrado de várias formas diferentes e efetuar o trabalho de maneira limpa e sem deixar vestígios nem ligação alguma que o pudesse incriminar.

__ Parece uma idéia brilhante._ Comentou o vereador._ Que tipo de pessoa contrata seus serviços?

__ Todo o tipo; homens traídos sem coragem de confrontar o amante de suas esposas, mulheres que desejam pôr as mãos em polpudos seguros de vidas de seus maridos, sócios querendo eliminar seus parceiros, micro e pequenos empresários que desejam acabar com a concorrência, pedófilos, bandidos, delegados de polícia, juízes, outras autoridades, políticos, garotas de programa. Como eu disse, todo tipo de pessoas.

__ Mais todos os seus venenos são letais?

__ Na maioria sim, mas existe alguns em que elaboro uma fórmula mais leve; posso conseguir praticamente todo tipo de efeito que eu desejar. Posso preparar fórmulas paralisantes totais, parciais ou que afetem um determinado órgão do corpo, assim a vítima terá sintomas de uma enfermidade normal e vão procurar o tratamento para tal, nunca desconfiarão que a causa de tudo na verdade foi um veneno.

__ Qual o tipo mais caro de fórmula que você vende?

__ As fórmulas não letais são mais caras, por motivos óbvios, são muito mais procuradas. É uma questão simples de economia, oferta e procura; quando a demanda é alta o preço tende a subir.

Naquele momento Diógenes temeu um pouco por sua vida, afinal aquele farmacêutico havia sido indicado por um colega de partido, e amigo de longa data, mas até que ponto as pessoas que ele próprio conhecia mantinham relação com o criador dos venenos.

Os olhos do vereador se desviaram para a maleta novamente.

__ Mostre-me algumas de suas criações.

__ Prefiro que os chame de obras. Sou como um artesão ou um pintor criando obras perfeitas; cada uma como suas características peculiares e todas com minha assinatura.

Na verdade, pela visão de Diógenes, aquele homem com todo aquele conhecimento proibido se parecia muito mais com um perfumista; misturando elementos desconhecidos para a maioria da população e em busca de efeitos peculiares como os aromas e fragrância vendidos em pequenos frascos pelas redes de lojas especializadas no Brasil o na Europa.

O dono da maleta retirou dois vidros e segurou à altura dos olhos contra a luz do sol que entrava filtrada pelo vidro obscurecido; em seguida os apresentou ao político.

__Este é o...

Foi interrompido pelo comprador.

__ E quanto aos antídotos, contravenenos?

Aquele receio era normal, o vendedor já tinha visto pessoas sem nenhum escrúpulo tremerem de medo antes de comprar um de seus produtos; naquele ramo de negócio, três coisas garantiam o sucesso; Descrição, informação e paciência.

Descrição, por motivos óbvios, um mercador de venenos não pode expandir demais sua carteira de clientes, sem comprometer a segurança de sua operação, e por tratar com todo o tipo de pessoas, dependia de que as pessoas indicassem seus serviços no bom e velho boca a boca, porém, muitos clientes ao mesmo tempo poderiam falar demais e a propaganda que seria benéfica se tornaria algo com efeito contrário, chamando atenção demasiada para a operação. As pessoas sempre falam, é da natureza humana. Além do mais muitas pessoas falando sobre ele ao mesmo tempo quebraria seu pilar de descrição, logo novos clientes em potencial se sentiriam receosos por procurar seus serviços e terem seus nomes exposto e coisas do gênero.

Informação é a segunda coluna de um mercador de venenos; embora não perguntasse nada ou quase nada sobre as pessoas que atendia, exceto em casos que julgava extremamente necessários para sua própria segurança, geralmente lia a respeito de seus clientes nos jornais ou via reportagens de desfechos causados por seus venenos pela televisão. Muitas das notícias, o grande público jamais desconfiou que havia alguma ligação com venenos, mas ele sabia; sempre sabia. Outro ponto importante com relação à informação era que ele sempre procurava sanar todas as dúvidas de seus compradores, geralmente elas giravam em torno dos mesmos temas, antídotos ou a capacidade de detecção dos venenos. Ele dava todas as informações a fim de fazer o comprador ficar o mais seguro possível da eficácia do produto que estava levando.

E por fim a terceira coluna do sucesso de um mercador de venenos era a paciência, pois era necessária para o estudo, o preparo e a criação de novas obras.

O Vendedor respondeu:

__ Não costumo trabalhar com antídotos, mas obviamente os tenho, porém seus preços são maiores e aumentam ainda mais dependendo da urgência.

__ Ótimo disse o vereador, acho que vou querer um antídoto do veneno que eu levar.

O mercador riu discretamente para não parecer que estava zombando do cliente, isso não era de bom tom.

__Está certo.

__ Mostre-me o que você tem para mim._ Pediu Diógenes.

Retomando de onde havia sido interrompido o vendedor falou:

__ considerando sua necessidade, eu tenho duas opções para você_ ergueu dois vidros, um médio e outro pequeno.

Diógenes observou os frascos; o médio era do tamanho de uma caneta “Bic”, já o pequeno era a metade do primeiro.

__ Este aqui é o “mamona assassina”_ disse sacudindo o frasco médio_ fórmula à base de ricina que é uma proteína retirada da semente de mamona; a quantidade do veneno determina se ele vai ser letal ou não, pode ser misturado na comida ou na bebida, não tem gosto algum, raramente é detectado em tempo de ser ministrado o tratamento, mas se a pessoa conseguir discernir que foi envenenada e souber que foi ricina, pode, caso seja levada a tempo, ser tratada, medicada e sobreviver. Antes que você pergunte; a estatística de sobrevivência que eu tenho acompanhado é zero, nunca uma vítima desse veneno comprado comigo sobreviveu, salvo os casos em que o comprador não desejava matá-lo; os médicos confundem muito os sintomas e tempo e crucial.

Diógenes estava verdadeiramente impressionado; perguntou:

__ Quanto custa esse?

__ O frasco com a fórmula líquida custa três mil, já a fórmula em pó custa mil e quinhentos, porém é mais difícil de ser ministrada; se a pessoa que vai ministrar o veneno respirar o pó, também vai sofrer as consequências.

__ Creio que vou levar o líquido _ Disse Diógenes_ o dinheiro com o qual vou pagar essa negociata é público mesmo.

O mercador sacudiu o frasco menor e continuou:

__ Este aqui custa cinco mil reais.

Todo mundo sabe que os melhores perfumes e também os melhores venenos sempre estão nos frascos menores, o vereador Diógenes perguntou:

__ E qual é o nome desse?

__ Pecado.

O nome assustou o comprador.

__ Por que pecado?

O vendedor abriu o frasco e cheirou na frente de Diógenes para passar confiança, depois ofereceu o frasco para o vereador cheirar. Ele cheirou com certo receio, mas sentiu um aroma leve e desconhecido, porém, muito bom.

__ É porque ele é doce, extremamente aromático e leva a morte. _ respondeu o mercador, continuando_ ele pode ser dado diretamente para a pessoa que se deseja eliminar, o gosto é muito bem e o grande trunfo dessa fórmula é que quanto maior for a quantidade ministrada, mais tempo ele demora para fazer efeito, entretanto quando fizer, será devastador.

__ Este frasco todo demoraria quanto tempo para agir?

__ Uma semana.

__ Do que é feito?

__ Desculpe-me, mas certas fórmulas eu na revelo para ninguém; sabe como é, ética profissional.

O mercador fechou o frasco e deu para Diógenes segurar, em seguida passou a mão por outros frascos e foi revelando os nomes de cada um e seus preços.

Na maleta da esquerda para a direita o vendedor começou:

__ Este aqui é a “Fada verde”_ disse apontando para um frasco médio com um líquido verde dentro_ Também chamado de absinto, mas não é a bebida, e sim uma veneno imunodepressor, ele sozinho não é letal; mas se a vítima é um alcoólatra, a bebida vai disparar um gatilho que tornará a fada verde numa assombração terrível; geralmente essa combinação leva a vitima ao suicídio.

__ Quanto custa?

_ Depende de quantos mililitros você for levar, mas fica geralmente em torno de mil e dois mil.

__ O próximo é a “Ambrosia”, veneno desenvolvido na região do mediterrâneo, quase tão doce quanto o pecado, mas não tão poderoso assim; serve mais como um elixir debilitante; algumas garotas de programa compram ele para ministrar a seus clientes com a finalidade de dopá-los ou para ministrar nelas mesmas a fim de aumentar a sensação de prazer assim como alguns empresários , digamos, idosos. A diferença de um efeito para o outro, novamente, está na quantidade, pouco significa prazer, muito significa perder os sentidos.

__ Quanto?

__ Cada dez mililitros custa cem reais. O meu conselho é que para quem quer prazer compre entre quarenta e sessenta mililitros, mas se deseja dopar alguém então cem mililitros é o suficiente; mais do que isso pode ser mortal.

Diógenes imaginava, enquanto o vendedor falava, a forma como as pessoas usavam aquela fórmula e uma curiosidade de experimentar a dosagem prazerosa algum dia surgiu em sua mente, mas ele sabia que o medo não ia deixar; e se errasse a quantidade?

O telefone de Diógenes tocou quando o mercador de venenos ia passar para o próximo frasco, o vereador interrompeu o outro com o dedo em riste e pediu um minuto, trocou não mais do que cinco palavras e desligou o telefone.

__ Preciso ir _ disse Diógenes_ Mas antes diga-me apenas os nomes destes outros dois_ Pediu apontando para os últimos dois frascos, estava muito curioso com tudo aquilo.

Ao que o outro disse rapidamente:

__ Amrita, veneno hindu e o outro é o veneno de serpente, não é um veneno de serpente realmente, mas sim uma formula paralisante e necrosante, muito usado para tortura.

O vereador retirou do bolso um envelope com várias notas de dinheiro e entregou ao vendedor.

__ Quero um frasco de cada_ disse com um semblante feliz_ Tenho muitos inimigos e vou usar cada uma dessas fórmulas durante todo este ano; nas próximas eleições estarei sem ninguém nos meus calcanhares. Talvez eu use também em alguns delegados, promotores e jornalistas intrometidos.

Diógenes se sentia um mafioso falando aquilo tudo e quase podia imaginar o quão bom seria eliminar tantas pessoas sem deixar rastros.

O mercador contou o maço de dinheiro calmamente e disse:

__ Tem mais do que o suficiente para levar tudo o que tenho na maleta.

O vereador rebateu:

__ O restante é para comprar o seu silêncio; nem uma palavra sobre esse negócio pode ser dita para ninguém ouviu.

O vendedor jamais diria, mas aceitou o dinheiro, e, fechando a maleta a passou para as mãos do comprador. Diógenes ostentava um sorriso débil na face como se estivesse com a solução para todos os seus problemas em suas mãos.

__ Foi uma satisfação fazer negócio com o senhor._ disse o vereador.

O mercador de venenos ligou o carro enquanto o outro deixava o veículo.

__ Eu digo o mesmo_ respondeu.

__ Como volto a fazer contato com você.

__ Estarei viajando à Europa nos próximos dois meses, após esse período pode me contatar quando quiser; faça contato que eu passo as condições para nosso próximo encontro, sabe como é, prudência nunca é demais.

__ É claro.

O mercador passou um endereço de correio eletrônico e um número de telefone público.

Quando o vereador deixou o carro, o veículo saiu tranqüilamente; era um modelo importado, um sedam da Hyundai; Azera 2010, negro e muito sofisticado. Obviamente o mercado de venda de venenos era muito lucrativo, mas exigia conhecimentos muito específicos e obviamente não possuía muitos profissionais no ramo, o que assegurava uma margem financeira muito boa.

Diógenes achou que tinha empregado muito bem o seu dinheiro, afinal, nenhum centavo daquela soma era dele mesmo, tinha desviado algumas verbas que geralmente não eram empregadas em coisa alguma, mas tinham sido aprovadas no orçamento municipal. E estava ansioso por seu próximo encontro com aquele vendedor misterioso.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 30/03/2010
Reeditado em 31/03/2010
Código do texto: T2168625
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.