De Batida em Batida

Dona Maria desceu à garagem de seu prédio demanhãzinha e deu com um amassado num dos lados do carrão. O porteiro, de seu posto, nada vira: longe da garagem, sempre perto do portão.

Sem câmeras ou testemunhas, Dona Maria foi bater na vizinha, dona da vaga agora preenchida:

-- ESSAZINHA tem que me dar uma explicação! Ontem cheguei em casa com o carro todo nos conformes, olhei pro lado aliviada e disse: o carro ao lado não está... vaga apertada, já viu no que dá!

Bateu à porta apressadinha e a vizinha abriu na calma, com bom dia e um ‘sorrisão’.

-- Mas que dissimulada..., lhe cuspiu Dona Maria e soltou acusação!

-- Batida no seu carro? Como assim? Vamos lá embaixo. Nada tenho com isto não, disse a já condenada vizinha sem perder a educação.

E na garagem, dos ditos carros, SÓ o da Dona Maria amassado:

-- Como pode, minha senhora, eu ter batido no seu carro se aqui deste meu lado não se vê UM arranhão?

De nada adiantou alegar inocência, pois a Maria NUNCA errou, duvidou do porteiro e até do laudo da perícia, no dia em que este chegou.

-- Escute bem o que vou lhe dizer: -- disse Maria à absolvida vizinha -- Aqui se faz, aqui se paga e o seu fim eu hei de ver, tenho fé em Deus!

-- E eu também. Se eu merecer a senhora vai ver sim. -- Foi tudo o que a vizinha, com calma, respondeu.

Não deu uma semana e a vizinha apareceu com o carro batido:

-- Que foi isso, Dona Moça? -- perguntou o porteiro amigo.

-- Estava parada num sinal, veio um doido e enfiou atrás, e vendo o estrago fugiu!

-- E Dona Maria, ao ver o amasso, se danou a comemorar: ‘Deus me ouviu, Ele me ouviu!’ Quase engasga por falta de ar!, contou o porteiro gentil.

-- Pro senhor ver, amigo, bateram no meu carro, perdi o dia de trabalho -- ocorrência pra registrar e tudo mais -- e quando cheguei na firma, pouco depois do meio-dia, achei metade do teto na mesa, espatifado lá por cima. Se eu estivesse ali, naquele dia, das duas uma: cemitério ou hospital.

-- Quéeeissssso! Dona Moça, vou passar batido da Dona Maria, credo em cruz!

E lá se foi a vizinha deixar o carro na oficina. Com muita sorte, ficaria uma só semana a pé. No ponto do ônibus esbarrou com um moço perdido: ‘A senhora pode me informar como vou à estação?’

O tempo passa e ajusta a vida, coisas mudam de lugar. Estando o moço e a vizinha meio perdidos, certo dia, toparam com um prédio bonito e foram pedir informação:

-- Dona Moça, quanto tempo! -- saldou o antigo porteiro amigo.

-- Pois num é mesmo, meu amigo, e o senhor por aqui? Este moço é meu marido.

-- Satisfação, seu moço. Dona Moça, que alegria! Mudei de prédio, mudei de vida, e pelo visto a senhora também...

-- Mas faz muito tempo isso... o amigo não esqueceu de mim, né não?

-- E como podia, se lá naquele prédio a Dona Moça era dos poucos a me tratar com educação?

-- Era só com o senhor não, amigo, muita gente batia comigo no elevador nem me dava bom dia, doença da civilização...

-- A Dona Moça sabe o que foi com a Dona Maria?

-- Eu não.

-- Pois o filho dela está perdido: ladrão de carros, traficante, bandidão!

-- Sério?!

-- Pois é, começou treinando com o carro da mãe, saia escondido de noite e um dia foi descoberto. Quis até abater a velha. Deram uma batida no prédio e ele fugiu...

-- Nossa, que horror! Coitada...

-- E a Dona Moça, o que anda fazendo?

-- Estamos vendo apartamento, o senhor sabe onde fica a rua...

-- Dona Moça, vagou um apartamentão aqui ontem mesmo, acho que ainda nem deu tempo de bater lá no jornal, se a senhora quiser, lhe levo agora pra olhar.

-- Mas olha só!! E num prédio chic como este, muito mais do que eu esperava! -- exclamou a Dona Moça -- De batida em batida, segue a vida.

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Agradeço de todo o coração à colega Maria Iaci, que me chamou a atenção para pontos confusos neste conto, os quais tentei clarear com esta primeira revisão. Se mais alguém quiser colaborar, sinta-se à vontade.

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Revisado em 31.03.2010 e 18.09.2010